sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sebastião Nicomedes: O Poeta das Ruas.


Sebastião Nicomedes tem quarenta e dois anos, nasceu em Assis, no interior de São Paulo e é poeta e escritor. Tais dados referem-se a um homem comum que aparentemente apaixonado pelas belas-letras, enveredou-se no mundo da escrita e literatura. Sua história poderia certamente passar despercebida (e de certa forma é) pela grande mídia, se não fosse por um fato surpreendente: ele é ex-morador de rua. Sebastião, ainda menino, perdeu seus pais e seus estudos não continuaram da forma congruente, não concluindo nem o Ensino Fundamental. No seu currículo escolar está documentada sua participação na escola pública somente até a oitava série. Posteriormente, morou temporariamente com uma irmã; quando alcançou a maioridade mudou-se para São Paulo, onde realizou trabalhos de diversas naturezas como pedreiro, churrasqueiro e letreiro; neste último sofreu um acidente e tornou-se  morador de rua, pois tal evento o deixou sem estabilidade financeira para suprir suas necessidades básicas e para realizar outro ofício. Como desde a meninice apreciou  poesias, foi incentivado por um amigo (também morador de rua) a escrever sobre os seus sentimentos em relação à vida e  as condições de um  morador de rua e como, no mais íntimo de sua alma, se sente ao viver em tal circunstância. Suas impressões, escritos foram transformados em  livros e publicados. A obra "O Homem sem País", "Diário de um Carroceiro", "Vôo dos Pardais" e "Cátia, Simone e outras Marvadas" é um pedaço desse homem de pequenas e grandes tragédias, que já sentiu fome, frio, preconceito e mazelas durante sua trajetória de vida.




O que é deveras impressionante nessa história é a reação da maioria das pessoas ao conhecer esse homem. Um morador de rua, que escreve e é inteligente? Uma indagação tola e preconceituosa, no mínimo. Na visão de uma sociedade hipócrita, imatura e vaidosa, um morador de rua deveria ser marginal ou pedinte, o negro um bandido e o pobre um ser sem cultura e conhecimento que jamais poderá alcançar  intelectualidade e uma vida material sucedida. Todos os seres tem a mesma capacidade racional e emocional, mas são as oportunidades, educação, cultura e moral  que encaminham o homem para diferentes níveis de condição intelectual e moral. Portanto, ver esse homem e sua minimalista obra publicada não é uma surpresa, é a a certeza de que a educação, oportunidade e igualdade social são ferramentas para evolução social. Só através dessas três vias é que o homem (imbuído de involuções e preconceitos) não irá mais segregar sua espécie, categorizando gente por uma posição social e conceituando valores pela quantidade de matéria que um  indivíduo possui. Como disse Sebastião "Um morador de rua é gente. Não feche o vidro do carro ao passar por ele. Ele só quer paz". O senhor Nicomedes é o exemplo vivo de que todos os homens (sejam de que condições forem) devem ser respeitados como gente, ter oportunidades iguais e ter dignidade de vida física e emocional para se desenvolverem na sociedade. Seu Sebastião é um exemplo de uma pessoa que lutou contra as barreiras do desrespeito e falta de oportunidade, mas não curvou-se perante a desolação da exclusão social, demonstrando através de sua escrita e obra que é possível mudar uma realidade e extrair dela sabedoria para vida e força para contrariar as negações que insistem em perseguir os homens. Um notório e belo exemplo de superação pessoal e  profissional, mas, sobretudo, social.


Fez tudo igual seu herói
Pedreiro na cidade grande
Dinheiro pra casa pelo correio
Distância do filho querido
Saudades da mulher amada



São Paulo lugar de gente louca
Toda noite, todo dia
Noticias na televisão
Dolar em alta, dolar em baixa
Bolsa cai, bolsa que sobe


Cimento subiu bem mais alto
Que edifícios erguidos
Clientela inadimplente,
Todo mundo despedido
Foi a firma que faliu


Morando sempre em obras
Desde que saiu de casa
Perdido na selva de pedras
O menino espelhado do pai
Desamprendeu a viver





Em volta do mercadão
Sacia fome de dia
Catando frutas caidas
A noite espera sopa
Maldito, vadio, mendigo


O tempo passou tão depressa
Vestes em sacos de lixo
Colher de pau na mão
Ao marco zero da Sé
O então pedreiro indigente
Constrói paredes ao vento.

Sebastião Nicomedes





"Eu ando com a bandeira do Brasil, para representar um Brasil desconhecido pela maioria das pessoas, para que elas possam olhar mais pra ele". Tião Nicomedes.









2 comentários:

  1. Daiane parabéns pelo seu texto,seu blog. Assisti por acaso o programa do Cabrini no Sbt e vi o tião na reportagem, Homem de Fibra talentoso.

    Sergio.
    @Serginhomlima

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