quinta-feira, 31 de março de 2011

Chega, Outono!





As folhas estão no chão. As árvores levemente se desfolham, auxiliadas por uma ventania calma, serenamente bela, que transcorre pelo espaço como se enviasse uma mensagem. É outono. O belo e magnífico outono que desenha as ruas, as pinta de cores diversas e deixam as árboreas peladas, sem nada, com seus galhos finos e  seus ramos descobertos. O outono transforma esses seres; os prepara para outrora. Exige que se tornem resistentes, desafiam a capacidade de lutar pela vida: os fazem ser fortes,  bravos. Essa condição fria e quente, que furta os elementos que produzem energia, faz a árvore ser serena, aguardar as próximas oportunidades e ser paciente para sua jornada. O outono passa pela rua, pelas estradas, passa pelas árvores, mas não passa por mim! Quero que o outono me desfolhe, leve para longe minhas folhas mortas. Quero que me descasque das minhas mazelas, que leve minhas cascas antigas e me renove para o inatíngivel momento da sabedoria e paz plena. Chega, outono! Não me deixe com meu verão excedente, que me produz reclamações e impropérios ou com meu inverno que me faz querer muito e acumular velharias. Não me deixe, só, com a minha primavera, que me faz ver cores, gentes, acreditar que a vida é um eterno desabrochar, que deve só me presentear. Chega, outono, e leva embora muita coisa de mim, coisa que não quero, não preciso, não desejo. Deixe minha árvore vazia, com muitos espaços; e permita que produza minhas folhas novas, mais vivas, mais bonitas, mais fortes.
  

Chega, meu outono! Me renove das folhas velhas, me deixando num casulo sublime para que possa parir minhas folhas novas e, depois, possa sentir e receber meus esperados frutos.

Chega, outono.



quinta-feira, 24 de março de 2011

Medo Que Algema a Alma.






Vivemos reclamando do sistema social, da desigualdade e como muitos fatores na vida em sociedade são delimitantes, nos separando por hemisférios, classe social, cor, profissão e gostos, mas nos esquecemos que quem faz esse sistema, o alimenta intensamente e o caracteriza, somos nós mesmos. Reclamamos de um universo que nós mesmos criamos - com leis, constituição e tudo -, nos sentindo aprisionados, estagnados e limitados para viver, crescer e progredir, depositando essa culpa nas mazelas e egoísmos da nossa sociedade. De fato, isso não é uma inverdade, mas, também, não é uma verdade absoluta. Muitas das nossas infelicidades são originadas de nossas escolhas, tendências e, principalmente, do medo e da insegurança. São esses dois sentimentos ou características, que tem criado grandes barreiras no momento de grandes escolhas. Ter medo é impedir-se de realizar planos, projetos, de arquitetar o novo e caminhar sobre o desconhecido. O medo é instinto e sumamente necessário para a nossa proteção, de forma que, ter medo, pode ser - a princípio - algo positivo, já que nos faz pensar antes de agir, esperar antes de se envolver; mas ele deve ter prazo de validade. Quando o medo alcança uma etapa que não pode exercer a dinâmica da ação e reação, a vida torna-se improdutiva. O medo e a insegurança tem gerado grandes doenças sociais e fraquezas pessoais. O reflexo dessas ações, opções, são negativas e degradantes, abrangendo todos os setores da vida do indivíduo. Muitas são as pessoas, por exemplo, que detestam seus empregos, não gostam das relações que vivem no trabalho, de exercerem  um ofício que não lhes preenche de paixão, conhecimento e produtividade, mas, como são partes de um sistema social e necessitam manter suas necessidades básicas, tem medo de buscar novas atividades e tentar o novo, a mudança. Então, o indivíduo se clamufla em profundas inseguranças, medos, insatisfação, falta de ânimo e, os desejos, planos, vão se escondendo num pedaço diminuto da alma, deixando que a felicidade seja uma sensação futura, distante do desassossegado presente. Claro, preocupar-se com o amanhã, ter um ofício e garantir sua subsistência, deve sim ser uma das prioridades do ser humano, mas aniquilar-se, matando a vontade de buscar o novo, não deve ser uma continuidade na vida emocional do indivíduo, que genuinamente nasceu para evoluir e melhorar.





O medo e a insegurança é um par tóxico, nocivo, que se prolifera pelo caráter do indivíduo, o transformando em coadjuvante da sua própria história. Ambos determinam uma condição perigosa aos propósitos do amadurecimento emocional e da experiência de vida: a acomodação. Nos acomodamos a diversas situações. Nos acomodamos a uma relação amorosa infeliz, pois nos acostumamos a conviver com o outro e o mesmo se torna um dos nossos pilares: nos sustenta. De forma que, como será nossa vida sem essa parte que já nos acompanha há tanto tempo? Muitos casamentos são assim, relações amorosas, relações trabalhistas, sociais...Temos o medo, o maldito medo de mudar e viver o que não conhecemos, o que, no princípio, aparenta ser grande demais para nossos pequenos passos. A verdade, é que o novo balança nossa estrutura, nos tira dessa acomodação e nos faz trabalhar em prol do que antes era só um desejo remoto, só um sonho para realizar no futuro distante. Diante dessa "transfomação gigante", preferimos nos guardar no nosso medo, que já é velho amigo, conhecido, e nos impedimos de viver novas experiências, saberes e adentrar no nosso próprio universo, para conhecer profundamente nosso defeitos, fragilidades e cada cantinho da nossa alma. O medo resulta em perdas; perdas que sequer conhecemos, pois não vivemos o perdido, mas sabemos que o perdemos;  perdas que vão se somando e deixando nossa carga emocional vunerável e saturada, nos aprisionando a viver nas mesmas escolhas, ritmo e condição, por termos insegurança de fechar um ciclo e iniciar outro, com suas possibilidades, sofrimentos e felicidades.





O fato, é que toda experiência é positiva, mesmo quando proporciona desprazeres. Se tudo é crescimento e somos a somatória de nossas experiências, e só com nossas experiências ganhamos sabedoria, logo, uma experiência negativa, é positiva, pois nos ensina a viver. Mas que viver, nos ensina a sobreviver num sistema alienado que criamos, que tanto nos pede, tanto nos tira e exige para que possamos ser aceitos nos grupos sociais. Cessar o medo e combater a insegurança, deixando-a só na quantidade certa para exercermos nossos instintos, é a grande meta para alcançarmos um patamar maior no desenvolvimento da nossa própria evolução moral; não tendo medo de buscar a felicidade, a solidariedade e, principalmente, a paz de espírito - que vem se tornando uma condição emocional difícil diante essa vida rápida e frenética. Deixar o medo e as inseguranças partirem, se distanciarem, é deixar os sonhos tornarem-se reais e materializarem-se no nosso cotidiano, permitindo que ele abandone sua condição de mero desejo e encontre a genuína sensação da liberdade e, consequentemente, o medo não seja mais um guia, permitindo que nossa coragem, desejo, sonho e querer alcancem o lugar apropriado na nossa existência: a liderança da nossa vida.





sábado, 19 de março de 2011

O Domingo Chuvoso de Clara.







Era uma manhã fria de domingo, o vento estava forte e a chuva anunciava sua vinda e, só por isso, o dia já estaria definido como perfeito por Clara, afinal, dias chuvosos, deixavam o céu acinzentado, o vento desordenado e trovões cantavam por toda parte. Clara, era assim: singular. Via beleza no que os outros definiam como estranho, pedia frio ao invés do sol e adorava ficar horas calada, no silêncio, lendo, questionando e extraindo questões inimaginavelmente incalculáveis da vida. O dia frio, a escolha de um novo livro para iniciar uma leitura e um vídeo no final do dia (de preferência "O Mágico de Oz") era um sinal de domingo perfeito. Na sua estante, dúvidas cruéis: iniciar a semana com palavras romanescas, através de Jane Austen, ler mais um livro Shakespeariano ou entregar-se a mais uma história policial com Agatha Christie. Clara não sabia. Naturalmente, isso sempre ocorria; a escolha de um novo livro, achava Clara, era tarefa minuciosa, ainda mais pela quantidade de livros não lidos que ela insistia em comprar, mesmo não tendo tempo correspondente para ler. Coisa de bibliófila. Mas naquele dia, Clara não conseguia escolher. Algo estava errado. Não no seu apartamento, no seu quarto desarrumado e na geladeira - que mais uma vez, estava contendo só água e chá, já que Clara sempre se esquecia de comprar alimentos. Algo estava errado, mas não era fora. Era dentro. Havia muito tempo que sua realidade não correspondia com seus sonhos. Geralmente, isso acontecia com todos, mas para Clara, como muitos, era desolador, pois não conseguia lidar com seus fracassos.
 



Sonhava com um bom emprego, que estimulasse a alma, que pudesse conviver com a intelectualidade e inteligência dos que buscam refletir e sanar indagações maiores, surgidas do verbo ver, sentir e agir. Clara não o tinha. Seu trabalho burocrático, com colegas distantes de todo estímulo que a mente pudesse vivenciar para evoluir e o tempo, que cada vez mais passava como suas adoráveis tempestades: rápido e frio, a deixava vazia, com a ideia de que sonhar, era coisa besta, inventada por alguma parte reprimida da mente que gostava de castigar o indivíduo social. O relógio bateu 10:30 da manhã, seu estômago estava vazio, doendo, mas não tinha forças para preparar nada para nutrir seu organismo. Ultimamente estava assim, semelhante a uma personagem pessimista, fraca e melancólica dos livros que tanto amava de Dostoiévski. A vida, não se materializava com o que planejara e, por isso, Clara não tinha desejo de melhora, vontade de buscar ou, até mesmo, de adaptar-se a sua realidade, tentando ver beleza naqueles dias quentes, no sol odioso e nas tardes em que pouco produzia conhecimento, aplicando sua força de trabalho só para ter uma remuneração no fim do mês. Clara queria mais, mas não sabia por onde iniciar. Desejava muito, inclusive a escrita e arte, a ciência e a magnitude de uma vida serena, calma e reflexiva.





Viver só, depois de concluir sua graduação, não a auxiliou muito. A solidão despertava desânimo e o silêncio a invadia profundamente, mas, tinha que ser assim, pois quando se encontra nos parentes e no mundo mais antipatia do que simpatia, é necessário um caminho pela  busca da harmonia, mesmo que ele seja só.  Não gostava muito das pessoas, mas adorava animais. Um terrível pecado, diziam muitos; mas para Clara, receber um carinho de uma animal, que nem sabia quem ela era ou pretendia ser no mundo, era o sinal mais sincero de amor e respeito ao próximo; coisa estranha que se pedia nas instituições sociais, era inserido na educação dos filhos, mas que, genuinamente, era característica desses seres "inferiores". O tempo corria, e ela continuava no sofá, imune a qualquer barulho e sem vontade de nada. Via seus livros na estante e lembrou-se que ainda não comprou os livros de Salinger, de Dickens e alguns mais de Shakespeare, que tanto adorava.  Não resistindo mais lutar contra o seu estômago, Clara tomou seu último chá de canela, que estava maravilhoso naquela manhã de chuva! Decidiu que iria escolher um livro e levantou-se do sofá. Ao tocar nas páginas de um romance contemporâneo, bem distante dos clássicos almejados ao acordar, ouviu sua campainha; era o porteiro lhe trazendo uma caixa decorada com tons azuis. Era de seu pai e lhe enviara um livro de História da Arte e um doce, que ela tanto amava! No final da caixa, uma bela surpresa: um livro de Charles Dickens, que tanto queria pela manhã, estava na sua porta, quase na hora do almoço. Agradeceu. Trancou sua porta. Sua leitura, finalmente, já estava obrigatoriamente decidida. Já podia sorrir amenamente e sentir que nada era tão ruim quanto pensava.





Mesmo com sua melancolia natural, ela decidiu que iria ter um dia feliz, aproveitando sua chuva, saboreando uma sopa e lendo seu Dickens. Quem sabe, mais tarde, não pintaria um pouco, ligaria para um amigo e escreveria um novo capítulo do livro que sonhava em publicar, mas, por enquanto, só da chuva permanecer com mais força e o frio se fazer entrar, Clara já agradecia e via que tudo poderia ser mudado, apenas com a mudança de seu pensamento, já que este se imprimia no seu exterior. Ao abrir a página do livro, uma mensagem do pai, com sua letra disforme e grande, apresentava-se na página  "Não há felicidade que não ocorra com um forte desejo e não há uma infelicidade que permaneça com a negação dos que sabem amar e viver a vida, seja ela sobre a condição que for". Clara sorriu; abriu seu livro e percebeu que era  a narrativa da "Pequena Dorrit", a menina de vida triste, pobre, mas que soube amar e colher suas felicidades e nunca reclamar da vida. O sábado, certamente, seria ótimo!




terça-feira, 1 de março de 2011

Eu Queria. Eu Quero.




Eu queria dias límpidos, intensos. Queria que meus pensamentos
Fossem elevados, produtivos e gloriosos. Queria labutar no que amo e descobrir
Novos trajetos para novas jornadas. Queria que os dias fossem razão,
Inteligência e de saberes diversos que encantam e maravilham à alma.


Queria levantar exalando por todos os poros, a vontade inerente do gostar e fazer.
Descobrir seres diferentes, volitar com desejos (possíveis e impossíveis)
Queria deixar a alma sair pra fora, ser mais relevante que a carne;
Menosprezar minhas angústias e varrer as infelicidades.


Queria que meus dias fossem meditação. Meditação e ação.
A ação do aprender e construir. Queria me conduzir como o rio e
Não deixar  escorrer junto as tempestades. Queria a plenitude da busca sábia.
Queria fluir toda vivência em sabedoria e deixá-la me dominar.


Quero o que o hoje ainda não é, mas tem que ser. Quero tudo que queria
E desejo querer ainda mais. Queria continuar querendo o que é da alma,
Viver um dia como se fosse uma vida, aprender num minuto o que chega
Somente com diversas e rotineiras  rotações.


Quero a leveza do ser agindo sobre meu eu e distribuíndo-me pelo mundo,
Amando ele, aprendendo com ele e sendo mais do que o meu menos.
Quero ver meu menos ir embora o meu mais chegar sem demora
E aconchegar-se a minha razão, encaminhando-me para sabedoria e correção.


Eu queria. Eu quero.