segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Xingu: Um Brasil Preservado.




                                                          Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas.

"Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou. Porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer”



Em meio a expectativas, sonhos, ideais, locais longínquos e um imenso espaço geográfico a ser mapeado e desbravado, partiram os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas, na década de 40, para o oeste do Brasil. Estimulados pelo projeto "Marcha para o Oeste", do então presidente Getúlio Vargas, os irmãos enveredaram por uma bela aventura que modificou significativamente suas vidas e valores, tranformando-os em indivíduos que traçaram um novo patamar na história do Brasil e protetores de uma cultura pouco valorizada, buscada e definida com relevância para a história do desenvolvimento do povo brasileiro: a indígena. Movidos pela paixão e desejosos de inovarem suas vidas, histórias e encontrar o novo, os tão jovens rapazes se integraram na expedição de natureza política cujo objetivo era, entre outros, descobrir o oeste brasileiro, dominá-lo, habitá-lo e desenvolver o que poderia ser futuramente uma das regiões prósperas do Brasil, criando novas formas de mercantilismos, mapeando o desconhecido e cientificando ao regime político a dimensão de suas posses, seu patrimônio e qual era a estrutura dessa parte pouco perscrutada e não encontrada nos mapas, livros e na história do país.







Imbuídos pela sagacidade pelo novo e movidos pelo genuíno desejo jovem de experimentarem a vida e descobrir novos mundos (dentro e fora de si), os irmãos Villas-Bôas partiram por esta extensa faixa de terra brasileira, enfrentando todas as intempéries das matas, colocando-se junto de seus companheiros em posição de perigo, de exaustão e de precariedade para viver o que parecia ser uma opção de vida investigativa e nova, deixando para trás todas as expectativas de uma vida urbana de hábitos, carreira, status e mediocridades diversas, nascidas dentro do que se conceitua riqueza, elegância e necessidade social. Encontraram um novo mundo dentro daquele montante de fauna, flora e terra que acreditava-se ser vazia e, portanto, pronta para ser industrializada e servir o capitalismo, sempre urgente. Encontraram, na verdade, gente, com padrão de vida absolutamente adaptado para aquela vida na floresta (aparentemente impossível aos olhos urbanos), aglomeradas em famílias, com sistema de sobrevivência e manutenção já estabelecidos para vida indígena; encontraram índios, vivendo em aldeias, sobreviventes dos mecanismos variáveis e rígidos das matas, com uma filosofia de vida e padrão cultural rico, admirável e sábio para uma sociedade urbanizada que baseia toda sua cultura no letramento e materialismo.

                                                                      Xingu




A expedição, formulada por objetivos políticos, propiciou uma espécie de redescobrimento do Brasil, mostrando a toda nação as peculiaridades e variedades existentes neste espaço territorialmente extenso em terra, mas também em cultura, arte e diversidade. Mas mesmo diante aspectos tão ricos e evidentemente solicitantes de preservação, o regime político vigente, não definiu por bem deixar tanta área "inutilizada", sem "fazer dinheiro", alavancar o comércio, rentabilidade e estabelecer novas fontes de aproveitamento de tanta área virgem, exposta e habitada apenas por ditos primitivos, iletrados, portanto, indignos de decidirem seus destinos e permanecerem em área oficialmente brasileira. Dentro deste contexto, onde a política vigente tinha objetivos contrários aos de preservação do povo indígena, os irmãos Villas-Bôas foram os principais defensores da preservação indígena, unindo os índios de várias etnias e propondo um modelo de preservação que proporcionasse uma área restrita aos índios; a criação de uma espécie de "cidade de índios", onde os mesmos pudessem ser preservados, dar continuidade as suas vidas (sem interferência do homem branco) e viver de acordo com sua cultura, saber e integração com a natureza.








Por tantas lutas, ideias, ideais, buscas e propostas para a manutenção, preservação e respeito a cultura indígena, os irmãos Villas-Bôas foram os principais responsáveis, idealizadores e sonhadores do "Parque Indígena do Xingu" (apesar de tantos outros nomes conhecidos e não conhecidos que estiveram unidos pela causa). Criado em 1961, o "Parque Indígena do Xingu", concretizou a busca dos irmãos em preservar uma cultura despreparada para viver com o homem branco e a luta para não aniquilar a cultura indígena, enraizada e vasta, que não deveria ser dissolvida na comunidade branca só por ser diferente ou considerada imprópria. A voz dos irmãos Villas-Bôas e a importância da mensagem que levaram foram tão relevantes e necessárias que a sociedade brasileira despertou para uma nova consciência, mais humana, ampla e sábia, resultando no surgimento de organismos de preservação indígena, na criação, em 1967, da FUNAI (Fundação Nacional do índio) e na interação do homem branco com o índio, sem que para isso fosse necessário agredir e permear na cultura indígena de forma violenta, subtrair seus saberes e modificar toda a estrutura criada desde tempos imemoráveis. 



                                                       



Orlando, Cláudio e Leonardo (este morreu precocemente, tendo abandonado o Xingu antes de seus irmãos), apesar de muito jovens, iniciaram um trabalho humano, rico, generoso e de natureza social-política-cultural que permanecerá por muitos anos, pois a luta ainda é urgente, o descaso com as causas indígenas continua a ser atual e o modelo de preservação elaborado pelos irmãos, apesar de eficiente e eminente, ainda precisa ser efetivado e conservado pelas próximas gerações; tanto que até na dita eminente Constituição da República, que supostamente rege a igualdade e fraternidade ao povo brasileiro, é possível identificar uma permissão restrita aos legisladores definida como coerente, mas absolutamente corruptível ao ser analisada:


"Autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas mineirais" Artigo 49, XVI



Na nossa atual realidade ambiental, na qual toda preservação e conservação dos recursos naturais se faz urgente para manutenção e sobrevivência da própria espécie humana e diante a crítica proteção à cultura indígena propiciada pela sociedade, torna-se uma contradição o citado artigo, no qual confere permissividade em demasia no uso dos recursos naturais, nas quais poucas cabeças do Congresso Nacional (que vem cada vez mais enraizando seu descrédito com o povo) tem o poder de decidir ação tão relevante e com efeito devastador ao meio ambiente, ao povo e a toda vida terrestre.






O projeto Xingu, tão perfeitamente criado pelos irmãos Villas-Bôas, ensinou ao Brasil e ao mundo que é possível preservar e auxiliar na manutenção de um modelo de preservação ideal e adequado para as necessidades do mundo. O índio, dito tão primitivo e ingnorante, tem como modelo de vida o exemplo essencial para as tantas outras comunidades do mundo. Ele usa, mas não abusa, mantém sua monocultura por tempo adequado, não agredindo em demasia o solo, não consome (em abundância) os supérfluos criados pela tecnologia, moda e produtos que, apesar de ditos necessários, se não usados, não coloca o homem em situação de risco. O índio respeita a natureza, a louva e é consciente de que existe por ela. É parte dela.






"Xingu", maravilha cinematográfica produzida por este país sem grande prestígio na sétima arte, trouxe aos brasileiros a história, mérito, luta e as conquistas dos irmãos Villas-Bôas que em busca pela "Marcha Para o Oeste" decidiram optar pela luta pela humanismo, vinculando a terra ao homem e criando meios para que a vasta população indígena, com sua rica cultura, fosse preservada e mantida dentro de sua própria fronteira, dentro de um lugar para chamar de seu, pertencente ao povo. Toda entrega dos irmãos Villas-Bôas, que doaram toda sua força de trabalho, pensamento e vida para o trabalho eminente das questões indígenas deveria ser matéria de escola, introduzida com mais veemência nas páginas dos livros de história e discutida com o heroísmo que o caso pede, pois a disponibilidade dos irmãos em viverem mais de quarenta anos em função da padronização e efetivação do modelo idealizado por eles para preservar o Xingu, manifestou o caráter virtuoso e forte destes homens, trazendo fé aos cidadãos de que é possível uma mudança eficaz e equilibrada para solucionar questões tão conflitantes, pois além da preservação ambiental e indígena, os irmãos Villas-Bôas lutaram, acima de tudo, pelos direitos humanos, concebendo o homem como elemento a ser respeitado por toda humanidade; a ter sua integridade garantida acima de qualquer interesse que não seja a conservação e direito à vida, realizando uma obra ampla e louvável de preservação ambiental, cultural e humana.








sábado, 10 de novembro de 2012

Formação Técnica e Formação Humana.




                                    Operários, Tarsila do Amaral - 1933



A quantidade adquirida de informação técnica e específica para formação de cada profissional, tornou-se a principal e mais pertinentemente característica requisitada para definir um profissional como preparado e extremamente habilidoso para realizar as funções atribuídas ao seu ofício que, no setor público ou privado, prestam serviços para população, confirmando, em absoluto, que a contemporaneidade forma um aglomerado de trabalhadores aptos a decorar, compreender o sistema e mecanicamente repetir as funções que a eles são designadas, mas nem sempre refleti-las e analisá-las para melhores avaliações e construção de novos parâmetros e novas formas e métodos de desenvolvimento profissional. A atual estrutura educacional preocupa-se com a formação de dados, que prepara tecnicamente, através de estudos, graduação, pós-graduação, cursinhos e vários cursos de aprimoramento, bons professores, médicos, promotores, advogados, cozinheiros, licenciados, bacharéis, etc., mas não oferece uma formação plenamente humana e racional. Tal fato pode ser absolutamente observado na multiplicação das unidades de cursos preparatórios para concursos e carreiras dispersados pelo país, na qual os estudantes recebem diariamente grande formação intelectual "decorativa", compreendendo como se estrutura a prova, sua forma objetiva, subjetiva, interpretativa, mas não se aprofundam na função social da carreira escolhida, sua ação, efeito e transformação a nível individual, coletivo e até mesmo pessoal.








As dificuldades existentes atualmente para atuação profissional, muitas vezes, se inicia para o profissional nos critérios de avaliação no início de carreira. Quando a sociedade solicita ao profissional respostas feitas e decoradas, a avaliação objetiva e subjetiva torna-se algo simplório para cada mente que fora habilitada para realização do feito, do prático; mas quando é exigido do profissional uma entrevista clara, solicitando a sintetização de informações pessoais, técnicas e humanas, logo ele se perde, acreditando que dominado pela ansiedade, aniquilou a perspectiva de contrato e de oportunidade de carreira, mas, mais que a ansiedade, é falta de conhecimento humano sobre a mente, as pessoas e a sociedade que limitam os indivíduos para atender, entender, somar e transcender os limites estabelecidos por cada área de trabalho. Tal observação, pode ser comprovada pela avaliação textual que, quando requisitada, é considerada a parte mais complexa da prova, visto que o texto é criação íntima, nova e totalmente original. Um produto nascido na hora. Um produto novo. Uma avaliação que não pode ser decorada, mas explanada de acordo com o pensar do indivíduo. A formação técnica comumente vem sendo aplicada em todos os setores e funções sociais, em decorrência deste fato, há muitos médicos aptos a realizarem notáveis diagnósticos e prognósticos, que destrincham ao paciente sobre patologias e seus efeitos, mas, entretanto, profissionais totalmente vazios e despreparados para dialogar com o paciente, compreender seus medos, anseios e impossibilitados de fornecerem um tratamento, acima de ser técnico, extremamente humano e eficaz; observamos, também, profissionais do Direito argumentarem sobre justiça sempre baseada em alguma lei, defender a importância das leis, mas, quando não há leis e artigos para se protegerem, as palavras tornam-se sem sentido e a justiça, impregnada em artigos e incisos, torna-se tão técnica que fica retida no livro e não no humano, resultando que muitos cargos públicos sejam administrados por indivíduos formados por cursos, regras e literatura extensiva, mas não humana, reflexiva e convidativa a adaptar novos programas solidários e inteligentes ao coletivo.







Observamos, também, professores limitados aos conceitos de formação intelectual, tendo que lutar contra o tempo, ou melhor, meros quatros bimestres, para lecionarem todas as matérias, narrar todo conteúdo que "vai cair na prova" que, infelizmente, são desprezados pelos próprios educandos quando, ao terminarem a avaliação, liberam o cérebro de retê-la como conhecimento, desgastados pela formação mecanicista e decorativa fornecida pelas instituições educacionais. Seja em qualquer das três grandes áreas de atuação: humanas, extatas e saúde, a educação forma-se continuamente em um emaranhado de informações técnicas, que nos preparam para carreiras que, como todas, são extremamente necessárias e primordiais para manutenção e funcionamento do Estado, mas sem qualquer habilidade superior a conceitos, regras e argumentos. Como resultado, há profissionais medíocres, definidos como excelentes profissionais, orgulhando-se por arquivarem tanto conhecimento; tanto que em paralelo há outros profissionais sentem-se vaidosos e diferenciados, conceituando-se como doutores ou doutoras, como chefes aptos e profissionais valorizados, mas com o padrão humano e social totalmente escasso e medíocre, que os impossibilitam  enxergar além dos números, dados e cientificações; os impossibilitam de criar, recriar e gerir o novo, o humanizado e usar sua racionalidade para projetar o que cada área de trabalho pode fornecer a população (muito mais que serviços burocráticos e temas decorados).







Trabalhar para que a formação intelectual seja integralmente humana, não é descaracterizar a técnica, a desprezando em um patamar inferior ou longínquo, mas fazer com que dados técnicos, ao invés de serem sistematizados e decorados, sejam, também, pensados e questionados sobre sua eficácia e igualdade no atendimento ao coletivo. É trabalhar para que professores sejam pensadores e propagadores do conhecimento e não máquinas de repetição de conceitos, que advogados e promotores sejam analistas da justiça, não a limitando em um artigo, mas sabendo dispersá-la para todo o povo, o atendendo com integridade e em consonância com a igualdade, justiça e fraternidade, e não evidenciando a carreira por uma indumentária, linguajar gramaticalmente formal e definindo títulos como qualidades e confirmação profissional. Enquanto não nos transformamos para a real preparação profissional: técnica, humana, reflexiva e solidária, sem vaidades pessoais em seu ofício, ainda continuaremos a ver essa excedente quantidade de profissionais formados, totalmente técnicos e mecanicistas que, durante sua formação intelectual, frequentam cursos, decoram termos, repetem as habilidades necessárias para realização de cada ofício, mas não conseguem penetrar na razão humana, no pensar aguçado e na arte de criar e determinar novas fórmulas, aspectos, programas, ensinos e proporcionar novas fontes de conhecimento para o cidadão e o mundo. Nesse sentido, se faz necessário a criação de um novo entendimento do que seja trabalho e seu real valor na sociedade, formulando um tipo de formação meramente técnica, mas plenamente reflexiva, questionável e investigadora do novo, do produtivo e transfomador, a fim de aniquilar a ideia perniciosa e pobre do que seja ser um profissional, do que seja a razão de cada profissão e, assim, criar o benéfico, atuante, pensador e transformador profissional moderno: que humaniza a educação técnica e sabe que o verdadeiro conhecimento é sempre uma busca e nunca a determinação de ideias decoradas e estagnadas na percepção nula de todas as coisas.







segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Gabriela, Cravo e Canela: Uma Crônica de Ilhéus.









De pés descalços, cansados, corpo castigado e terra a lhe cobrir, caminha Gabriela, ainda sem cheiro de cravo e cor de canela a lhe expor. Retirante, fugida dos sofrimentos da seca e da dor da pobreza, busca sólido fértil para viver, comer e poder conhecer o sossego; o sossego dos que nunca experimentaram privações. Destino: cidade de Ilhéus; terra em ascensão, de economia baseada no cacau, coronéis tiranos e habitado por pessoas características, típicas, marcadas pela realidade local. "Gabriela, Cravo e Canela", de Jorge Amado, esclareceu minhas indagações sobre o porquê da paixão brasileira (e mundial) por este escritor baiano, de letras bonitas e histórias sensacionais. Não há como não gostar do autor. Em Gabriela ele convida o leitor a fazer uma viagem pela Bahia dos anos 20, em que a política era coronelista, os fuxicos uma rotina comum e a hierarquia social uma lei a ser cumprida, sempre mantendo a mulher como matéria a ser usada, de diferentes formas, mas disfarçadas sob personagens caracterizadas como moral e imoral.







Assim nasceu Gabriela, como mesmo define o autor, protagonizando crônicas de histórias da cidade de Ilhéus, desdobrando inúmeros personagens peculiares e singulares que apresentaram aspectos interioranos e a estrutura da sociedade da época. Gabriela, retirante, sertaneja e muito bela, era dona de talentos gastronômicos, executando com propriedade as receitas mais desejadas da picante culinária baiana. Gabriela, sem estudos ou ciências, tinha o único conhecimento que o turco Nacib (comerciante e bom amigo) buscava: uma boa cozinheira. Assim nasce o amor de Nacib e Gabriela, uma mistura de desejo, ânsia, comida e sensualidade que envolve Gabriela e seu Moço Bonito, seu Nacib. Em paralelo a este inusitado relacionamento entre a sertaneja faceira, bonita e desprendida, com um homem não tão rico, mas de sociedade, a vida se movimenta na sociedade de Ilhéus. Coronéis, padres, beatas, mulatas, jagunços, quengas, moças a se prepararem para o matrimônio e regras a serem cumpridas por tudo e todos definem o dia-a-dia da cidade.


      Ilustração de Gabriela, inserida no cenário de principal atividade econômica da Bahia dos anos 20: a cultura do cacau.




Gabriela, com sua sensualidade latejante e determinante de sua personalidade, objeto de desejo sexual de homens da cidade, não fora criada para ater-se em limites, aliás, nem mesmo fora criada, vontade era seu nome; se sente, faz, se quer, realiza, não mensurando se tais atitudes são maléficas a si e ao outro. Gabriela é distante dos padrões morais dos demais personagens, não sendo imoral nem moral, mas amoral, acima de convenções de determinismos sociais. Liberdade é o que deseja e, se sente vontade de namorar com o Moço Bonito, - seja ele quem for - , que mal há? Afinal, gosta tanto. Nacib teme perdê-la, pressente que ela não nascera para ter dono, mesmo tentanto comprá-la perante cartório, padre e a transformando numa dama de sociedade. Como todo bicho selvagem, seus sonhos são distantes dos domesticados e sua toca, torna-se aos poucos, sua verdadeira prisão. Com o desenvolvimento da vida de Gabriela, são narrados os demais personagens criados para à obra. Mundinho Falcão, disfarçando-se pela vestimenta de progresso, modernidade e diretor de uma "Nova Ilhéus", só deseja apossar-se da cidade, não derramando sangue e organizando expedições de guerra e violência, mas armado de uma política filosófica, sedutora, mas que no fim, era determinada meramente por ele. Diferencia-se de Coronel Ramiro pelos seus modos, educação e por fazer da política uma ciência, não uma chacina.



                               Ilustração da Cidade de Ilhéus por Maurício Melo.



A inserção de Mundinho Falcão na trama encaminha, aos poucos, a uma nova formação social, política e cultural de Ilhéus. Costumes, antes tão defendidos como o assassinato de esposas infiéis, são revistos e definidos como atrocidades e ação criminal, dignos de repreensão e punição legal. A mulher, cuja única função era procriar e ser corpo para cópula, seja como fiel e oprimida dona de casa ou como salutar quenga, que poderia dispor-se aos desejos diversos dos coronéis, é diferenciada por um único papel na narrativa, a inteligente e moderna Malvina, filha do coronel Melk, que nutria dentro de si a revolucionária vontade de ser dona de seu próprio destino. Malvina, diferente das santas ou quengas, queria escolher seu marido, poder trabalhar como todos os homens e não no ofício de dispor seu corpo aos desejos alheios, mas desempenhar atividades coerentes à sua preparação intelectual. Uma verdadeira missionária entre mentes que aprisionavam mulheres somente para o lar, ou encurralavam elas para a prostituição, não fornecendo outros meios de subsistência a mulheres pobres e definidas como "perdidas".






"Gabriela, Cravo e Canela" é, além de uma crônica registrada dos personagens da cidade de Ilhéus, uma narrativa gostosa de se ler, com um linguajar que personifica cada habitante, destrinchando a cultura local, seus hábitos, conflitos, sonhos e suas medíocres rotinas, de mexericos, difamações, de excessivo alimentar e fiéis a cristandade - mas não a ponto de afetar os interesses da carne e do bolso. "O Bataclã", principal bordel da cidade, recebe todas as noites os homens da cidade, solteiros, casados, ricos, pobres, de alta ou baixa sociedade, quem podia pagar e comprar pelo lazer definido pelos homens e pelas suas próprias mulheres como necessidade do homem comum. Tal comportamento, exemplifica a mentalidade e moral da mulher da época, que era educada para aceitar, servir e cuidar da família que o homem formava, mas que a ela não pertencia. Era, no seu íntimo, portadora de um pequeno papel que, em troca de proteção, comida e a dita moral resguardada, tornava-se esposa e mãe dos papéis realmente atuantes: os homens.







Jorge Amado, não restringindo sua obra a um simples romance, desejou torná-la um pouco de tudo, como se estivesse a preparar uma boa comida baiana com todos os ingredientes disponíveis para saciar de várias maneiras o apetite de seus leitores. Através de sua Gabriela, um paradoxo de inocência, virtude, que causa tormentos e questionamentos diversos, é narrada as transformações de uma cidade, demonstrando sua fuga do arcaico ao caminho do moderno, através das mudanças ocorridas no setor político, social, cultural e de relacionamentos. Aos poucos, o novo quadro é formado, discutindo a emancipação feminina, a transição da política mandatária para a política de proposta, de diálogo e semelhante com a modernidade das capitais. No entanto, o que mais interessa ao leitor é a vida local, as pessoas, falas, personalidades, a riqueza de detalhes de cada elemento da trama e como ela critica e, ao mesmo tempo, diverte os leitores, encontrando eles não só uma forma de entreterimento, mas um panorama daquela realidade e como toda a estrutura social educava cada perfil social para viver de acordo com sua posição e classe.







Com tantas características e fusão de perfis diversos, a obra poderia sucumbir-se numa leitura acumulativa, onde muitos personagens e histórias fossem excessivos ao leitor, mas, contrariando as expectativas, à obra, muito aberta e "cheia",  tornou rico o propósito da trama: narrar toda Ilhéus, exemplificar sua gente e, ainda, compreender a fácil e complexa personalidade Gabriela, mulher cuja noção de felicidade não representava a idéia dos demais, que o amor deveria ser, do seu jeito, um livre sentir. Gabriela diferenciava da moça "pura" de sociedade, da quenga "devassa" que em sofrimento vivia a vida que podia e de todas as morais listadas na obra. Personagem tão singular, teve que carregar seu nome como título da obra, perpassando por ela toda cidade de Ilhéus, sua gente, seus dizeres, amores, desamores, dentro de uma história simples e agradável de uma pacata cidade que nos anos 20 viveu, de fato, muitas transformações sociais, servindo de pretexto para criação desta narrativa alegre e incomum, sob o olhar aguçado, divertido e criativo do grande Jorge Amado.











segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Apanhador no Campo de Centeio.






O livro "O Apanhador no Campo de Centeio", do escritor americano J. D. Salinger estava inserido na minha extensa lista de livros que desejo ler arduamente. Publicado em 1951, li críticas sagazes sobre a obra, desde as opiniões negativas sobre a linguagem da obra, à influência que ela causou na sociedade, de várias maneiras. Conhecido, também, como o livro preferido dos assassinos de John Lennon e John Kennedy, o livro desperta curiosidade em toda a sua formatação, desde a reação dos leitores à obra  ao título da mesma, tão sedutoramente enigmático. Iniciada a leitura, ficou absolutamente compreensível entender e definir o poder de ação do livro. A história é do jovem  Holden Caulfield, dezessete anos de idade, rico, de conduta rebelde e linguagem esculachada. Holden caracteriza-se por ser um jovem imaturo, sem grandes experiências, mas já extremamente cansado da vida que tinha. Possui uma personalidade semelhante a muitos jovens, principalmente adolescentes. Para ele a vida era uma tremenda de uma hipocrisia. As pessoas, à escola, sua família, sua vida, em tudo podia listar (em excesso) características negativas, definindo tudo e todos por um prisma obscuro, falso e doente. As únicas pessoas do seu mundo de negações que via com certo otimismo era sua irmã caçula, Fhoebe e os  irmãos D.B e Allie, este último sempre em remotas e profundas lembranças, já que falecera na infância.






Toda história de Holden é contada a partir de seus pensamentos e ideias sobre um mundo que detestava: sua realidade. Estudante de uma renomada instituição para formar garotos de classe alta, o "Pencey", Holden se prepara para deixar à escola por ter sido reprovado em quatro matérias. Não fora a primeira vez. Já havia sido expulso de outras instituições de ensino, ratificando ser dono de um comportamente inadequado e inadaptado as burocracias e tendências da época. Tudo lhe afligia: a hipocrisia das pessoas, a necessidade do luxo e dinheiro, o isolamento e solidão das instituições de ensino e até mesmo a arte, o cinema e a atuação, que considerava um mundo de ilusões e falsidade. Detestava, sobretudo, a exclusão que ocorria nas instituições que estudava. Toda visão de Holden sobre as coisas, o mundo, é apresentada quando decide deixar à escola e fica vagueando pela cidade de Nova York, em cortiços, com pessoas com todos os tipos de comportamento e vícios, prostitutas, alcoolistas, em que todo seu tempo era empregado para beber, fumar e libertinadamente tentar viver sua sexualidade. Holden não é um santo. Longe disso. É  um jovem fora das leis morais e éticas impostas pela sociedade. No duro (linguajar tão apreciado por ele mesmo) era um ser humano cheio de vícios, corrupções e desejos que prejudicavam a ele e aos outros. Era mais próximo de nós do que qualquer personagem irreal e romanesco.







"O Apanhador no Campo de Centeio" narra a dificuldade de crescer e a negação do personagem a esta nova vida, a adulta. A música ou conto de que gostava "Apanhador no Campo de Centeio" era a única vontade que nutria na vida. Sua ideia de felicidade era ser uma apanhador no campo de centeio e segurar as crianças que pelo campo corriam, a fim de que elas nunca caíssem no abismo (vida adulta). O próprio Holden, a partir desta parábola, revela seu desejo de não crescer, não adaptar-se ao mundo e não seguir todas as regras. A transição da adolescência para vida adulta representava para ele uma horrível passagem e a vida adulta, uma futilidade e hipócrita forma de viver. Holden, de maneira impressionante, não comportava-se com rebeldia na exteriorização de suas palavras. Sua mente era rebelde, mas nunca conseguia dizer algo terrivelmente febril a alguém. Uma contradição em pessoa.






Usando uma linguagem inovadora e perniciosa à época, apresentando as angústias e vícios de um jovem, o sexo sem compromisso com a opinião pública e as normas, e o mais profundo vazio e desesperança de um adolescente que, apesar de ainda não ter vastas experiências, já encontrava-se sem sonhos e perspectivas, "O Apanhador no Campo de Centeio" tornou-se livro universal pela similaridade com o homem e não com seu tempo. É uma obra atemporal. A adolescência e as crises que nela os jovens enfrentam para fazer o rito para fase adulta e os limites e dificuldades que a mente e a personalidade enfrenta para fazer-se forte e madura, ainda, está presente em todas as gerações. Salinger, com um texto cínico, provocativo, esculachado, absolutamente informal criou uma obra - apesar de uma linguagem aparentemente despretenciosa - complexa e única, em que por mais que o leitor não se identifique e compactue com as atitudes de Holden, não consegue não acompanhar o personagem, desejando a cada capítulo saber qual será o fim da jornada deste jovem tão pernicioso e infeliz, mas cheio de dilemas e buscas, como todo ser humano.






Em um mundo cada vez mais capitalista e segregário, vazio em suas buscas, que gera neuroses e angústias profundas para o ter e ser, " O Apanhador no Campo de Centeio" sintetizou e sintetiza a sensação de vazio que muitas pessoas ditas modernas abrigam, em que os sonhos, vontades e felicidades não representam a realidade, a existência do indivíduo. Um livro complexo, penetrante, com personagens moralmente pobres, em que a curiosidade sobre o comportamento dos personagens vigora durante a narrativa  e o (talvez) repúdio ao mundo estranho, imoral e medíocre de Holden acompanha o leitor pela obra. Um pobre garoto rico perdido em seu próprio mundo de mazelas, nos deixando com a sensação que muitos são os Holdens que ainda vivem na sociedade.








quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Seu Nome Era Comum.




 "Os Retirantes", de Cândido Portinari, 1944.



Seu nome era comum, todos sabiam e partilhavam
Tinha uma casa pequena onde vivia e pouco descansava
De dia saía cedo e à noite para casa voltava
Com muito cansaço no corpo e os desgostos que passava



Nutrindo o orgulho ferido e o medo de "chibatadas".
Era uma época estranha, época de escolher candidatos
Candidatos para um tal de Legislativo
Que organiza todo o Estado.



De política nada entendia, mas sabia de sua parcela
Pagava imposto mensal para manter sua bagatela
Do trabalho, não se ausentava, mesmo não tendo bom ordenado.
Ordenado que comprava pouco e lhe dava apenas um punhado



Médico, dentista e professor, só quando o Estado dava,
Pois o punhado que tinha, mal lhe vestia e alimentava.
Educação, saúde e cultura, já tinha ouvido falar
Nas aulas que assistia na escola, antes de labutar



Mas não tinha muito estudo, pois de um tudo faltava
Por isso mal escrevia, pouco conhecia ou  falava
Agora tinha que votar, um voto para Prefeito e um para Vereador
Novas leis criariam para no município determinar



E para as mãos desses homens seu punhado iria parar.
De seu punhado, disseram, que iriam usar:
Para fazer hospital e escola para lhe auxiliar
Assim não veria mais filhos morrer, não



Pela falta de médico e remédio que carece toda nação
Seu filhos iriam estudar e na escola aprender.
Já passara por tantas idades que já sabia votar
Votou tantas vezes que desistiu de esperar,



O tal do Prefeito que prometia tudo mudar
Criando dignidade e trabalho para ofertar.
Já lhe disseram tudo, prometendo novo mundo,
Habitação, estudo e o surgimento de nova condição.



Já sonhou ter sossego, sem medo de perder emprego
E não ter que pedir esmola ou roubar seu pão.
Mas o tal do Prefeito e Vereador que sempre vota
Promete vida de glórias, melhoras e evolução



Mas quando vira Senhor Prefeito, se tranca na sala
Não abraça mais o povo e cumpre nada, não.
Então, se faz mais quatro anos.
Mais crimes e revoltas e desassossegos



Escolas sem livros e mais gente pedindo arrego.
O tal do Prefeito só fala e o Vereador, trabalha, não.   
Só escrevem leis que exigem da população.
Do povo que até abraçou para pedir votos



Visando ser eleito e manter o seu mandato
Para tirar do povo subtrair seus espaços.
De tanto trabalhar não tinha mais esperanças, não
Não acreditava que voto podia mudar uma nação



Muito menos das melhorias que para ele falavam
Garantindo que pelo voto se exercia a liberdade.
Seu nome era comum, todos sabiam e partilhavam
Chamava-se cidadãos e impostos pagavam



A fim de garantir um mínimo que sempre acreditara
Daria dignidade de  vida àqueles que amava.
Já era tempo de voto e não sabia em quem votar, não
Sua esperança era apenas de manter seu pão.



Educação, cultura, saúde, não sabia o que era
Mas sabia que esse tal de voto, nunca lhe trouxera.
De dia trabalhava, de noite pouco descansava.
Para ganhar um punhado que muito não ajudava.



Lhe disseram que a lei obrigava a votar para ser cidadão
Que era precisa votar para consertar a nação.
Agora chegava à eleição e dele lembrava
Não para melhorar sua labuta ou melhorar sua jornada,



Mas para garantir o tal do voto que faria um senhor Prefeito
Que mandaria na cidade e determinaria seus direitos.
E o manteria no local que a sociedade lhe pusera
De pobreza e exclusão, sem privilégios e acessos.



Que vida sofrida, cumprida e danada!
Sem fins nem meios de decidir sua jornada
E bem que ouvia falar numa tal de democracia,
Que dizia que era o povo que tudo decidia.





domingo, 5 de agosto de 2012

Bandido Pobre. Bandido Rico.






Indiscutivelmente tanto os acontecimentos antigos quantos os mais recentes de natureza ilegal e criminal que ocorreram no Brasil tiveram rumos diferentes, nos quais a condição socioeconômica dos envolvidos foram determinantes para a possível solução proposta para cada situação desequilibrada e imoral que afetou de forma particular e coletiva à sociedade. As leis são formuladas para tudo e todos e discursa constantemente o propósito de sua efetividade e ação perante à inconstitucionalidade. De texto complexo e erudição incomum, não permite, muitas vezes, que o homem de poucas letras a interprete de maneira lógica e clara, criando um distanciamento burro entre os homens e seus direitos e deveres. Define, de forma clara, que de todo crime deve surgir uma pena, que o crime, como belamente romanceou Dostoiévisk, deve ter um castigo. Castigo para quem e o que? Teoricamente, dentro de premissas lógicas, para tudo e todos que estiverem à margem do que prescreve a ética legal. Mas, infelizmente, na sociedade brasileira tal interpretação é "retrabalhada" de acordo com o reú representado.






O bandido é de única ação. Negro, branco, amarelo, alto, baixo... se comete um crime, logo é criminoso e como dono de comportamento prejudicial e hediondo, que manifesta-se no coletivo como errôneo e maléfico, deve ser penalmente repreendido  proporcionalmente à sua conduta. Se ilegalidades são crimes, quem comete ilegalidades é criminoso, logo, o crime provém de um criminoso seja ele/ela quem for. Dentro de um raciocínio psicológico e jurídico tão claro e logicamente inteligente, torna-se ofensivo a forma como a "Lei" vem "cuidando" dos constantes casos de ilegalidades em terra brasileira, criando uma barreira gigante ao penalizar o bandido pobre e o bandido rico. A lei executada, não escrita, mas realizada aos olhos do grande povo brasileiro é estritamente esta: a lei do pobre e a lei do rico. O homem/mulher, quando pobre, logo é criminoso punido, vulgar e desmerecido, tratado como escória e, para muitos, ainda se fala na imposição de cortes brutais, como desejam alguns, no absurdo de não serem mais alimentados na unidade prisional. Já o bandido rico é comumente retirado de cena, apartado por ter estudo e defendido por mentes estudadas e preparadas para usar a lei em favor de interesses particulares, mas não éticos e coerentes.







São inúmeros (e atuais) casos de políticos envolvidos com crimes, mas com regras específicas para serem julgados por serem do Legislativo; autoridades que subtraem o máximo possível do povo e, como "pena", somente são remanejados para outros cargos, mantendo altos salários retirados do imposto pago do trabalho árduo do povo. Muitos, reclamam de ter que alimentar o bandido pobre, encarcerado e faminto, propagando a ideia de que direitos humanos, somente para humanos direitos, mas não pensam que estão pagando constantemente não só a alimentação do bandido rico, mas todo seu padrão social de vida de futilidades e elegâncias criadas. O bandido pobre, quase sempre criado próximo a criminalidade, sem estrutura familiar e moral, desde cedo é educado para o crime, para o furtar e deteriorar a vida do outro. O bandido rico, versado em inteligência técnica e informativa, manipula o povo, cria  meios de corrupção e mantém sua jornada, sem culpa, sem pena e incansavelmente repetindo seus erros, com a nossa permissão enquanto cidadão e enquanto povo.





Se não houvesse diferença entre o bandido pobre e o bandido rico, teríamos terra com leis e não essa  terra de lei de mentira, de manipulação e inverdades. Infrator é infrator e lei é para tudo e todos, simploriamente assim. Enquanto o bandito rico se fingir de herói e continuar a prender só bandido pobre, teremos essa lei parcial, prejudicial e injusta, que separa os homens e criam regras de julgamentos diferenciados, em prol de uns e deterioração de outros. Se a lei fosse imparcial, não veríamos o bandido rico sair de seu alto posto e ser reintegrado em posto de autoridade similar, retornando para órgãos de fiscalização e execução legal e continuando a não realizar um trabalho para desenvolvimento do povo; para o engrandecer social de sua nação. Se imparcial fosse, teríamos criminosos respondendo por seus atos; cumprindo pena proporcional a cada ação ilegal e não mais o mito formado da existência apenas do bandido pobre e o bandido rico vivendo na imensa "Terra do Nunca". Bandido rico este, que rouba o povo, é sustentado por ele e ofensivamente ainda diz ser representante dos direitos do homem, mas aniquila estes mesmos direitos diariamente, sendo sustentado pela grande massa pagadora de impostos e afirmando que age na forma da lei. Leis essa de muitas classes e pouca ética, claramente separadas para bandidos ricos e bandidos pobres e cada vez mais distantes da jurisdição dita correta e da humanização buscada para a justiça plena e o equilíbrio social, criando dois sistemas de execução penal, uma para o pobre e outro para o rico, tornando imparcial e injusta a legislação que, mais do que qualquer código social, deveria igualitar e não apartar os homens, deveria utilizar a ética, análise e decisão em favor de todos e não trabalhar na segregação e sofrimento da sociedade.









domingo, 1 de julho de 2012

Histórias Cruzadamente Reais.






O papel e a função da empregada doméstica, recluso e oculto em casas de famílias, está sendo discutido e apresentado de forma real e diferenciada no filme "Histórias Cruzadas", evidenciando as fragilidades, dificuldades e injustiças que ocorrem no trabalho doméstico, a responsabilidade de manter e administrar casas de famílias, enquanto os membros destas, em sua maioria, constroem uma vida estável e sem a necessidade de aplicarem sua força de trabalho em ofício fisicamente dispendioso e remuneração incompatível com a possibilidade de progresso material. Apesar do principal ponto de debate do filme ser o sistema de segregação racial e o desrespeito aos negros, não há como negar que os empregados domésticos, independente da raça, sofreram e sofrem desigualdades e inferiorização em seu ofício. O filme narra o depreciativo sistema de exclusão racial, mas por abranger um tema tão rico e amplo, tornou-se um material oportuno sobre as condições do trabalho doméstico e a realidade dos empregados deste ramo. O filme explana a vida de mulheres que dedicam-se a árdua e ingrata tarefa de serem - como se conceitua atualmente - secretárias do lar, realizando limpezas, preparando alimentos e cumprindo todas as funções para o "funcionamento físico" de uma casa. Retratando uma época mais rígida e segregária do que esta dita "moderna", o filme destrincha os maltratos, a subjugação e a inferioridade que as profissionais domésticas eram (e são) submetidas ao realizarem a nobre tarefa de cuidar, basicamente, da "sujeira dos outros".






Os países ocidentais criticam e depreciam alguns países orientais que se estruturam por sistemas de castas, onde determinantemente a casta inferior deve ser a responsável por cuidar e excercer todas as atividades degradantes, incultas e flagelantes, mas, no entanto, a maioria dos cidadãos ocidentais tratam seus empregados domésticos com desrespeito e os condenam a injusta classificação de inferioridade. Na prática, infelizmente, o que presenciamos é uma sistema de casta estruturado, no qual esses profissionais não tem respeito e nem valor social e profissional. Preconceitos, falta de oportunidades e vítimas de um ciclo repetitivo, em que o acesso ao crescimento material e educacional é constantemente negado, passam a ser a realidade desses profissionais que, em grande maioria, por terem nascido à margem da pobreza e não terem tido possibilidade de uma formação intelectual, tornaram-se mãos-de-obra barata para o Estado, oferecendo seus trabalhos praticamente por toda uma vida, sem terem crescimento funcional e monetário.





O filme, além de apresentar a inferiorização que as empregadas domésticas sofriam (e sofrem), aborda questões relevantes como o preconceito racial, a diferença de classes, as diferenças sociais e humanas que essas mulheres foram submetidas por serem negras, domésticas e a cultura da década de 60. O fato é que não é a função que é incongruente e baixa, mas sim a forma como é tratada e a falta de um plano de carreira que possibilite a essas profissionais (que permitem que outras mulheres e homens possam se afastarem de sua unidade familiar) terem acesso à educação, cultura, saúde e progresso na vida social e financeira. A formulação dos direitos trabalhistas propiciou o surgimento de uma realidade mais justa, estabelecendo o salário mínimo, a necessidade do descanso remunerado e de regularmentar a quantidade que um trabalhador deve e pode oferecer seus serviços, sem prejuízo de sua salubridade, mas isto é apenas o início de uma significativa mudança no âmbito do direito do trabalho que indubitavelmente deve continuar a ser modificado.



Que possa, a despeito de direitos trabalhistas, surgir a consciência do respeito a dignidade de vida humana, despertando às pessoas para a conscientização de que, só podem se ausentarem de suas casas, para trabalharem, multiplicarem seu dinheiro, estudarem para alcançar oportunidades e melhoria, pois há a existência dessas personagens, as empregadas domésticas, que cumprem atividades que outros profissionais consideram degradantes, sujas e pequenas, limpam as sujeiras de seus patrões e tem como retorno, um pobre e medíocre salário no fim de mês, desconsideração social, segregação jurídica, a constante inferiorização por serem pobres; sendo consideradas muitas vezes aptas a cozinhar para o empregador, mas não de sentarem-se à mesa para compartilharem a refeição que elas mesmas prepararam. Uma função relevante, que participa diariamente da vida de milhões de cidadãos, mas não é vista e tratada como profissão, como atividade importante que permite que milhares de pessoas possam construir uma vida mais estável profissionalmente. Uma atividade secular que não teve desenvolvimento social e legislativo, ficando estagnada e definida como função degradante e própria para pessoas de pouca escolaridade, mas que, mesmo permeada de dificuldades, fazem mulheres fortes, valentes e segregadas, não terem vergonha de saírem diariamente de suas casas, deixarem seus filhos em prol de muito pouco para sua subsistência, enfrentarem humilhações e precariedades, mas firmes e precisas no propósito de manterem suas famílias e conquistarem dignidade de vida, mesmo sendo, ainda, uma dignidade precária e injusta.






sábado, 23 de junho de 2012

Comunicação: Deformando Opiniões.






Seria incerto dizer que o Jornalismo está se deteriorando e sendo constantemente direcionado para a formação de uma mídia superficial e idolatradora de notícias pouco produtivas, pois a ideia de um produto barato surge quando paralelamente pode-se conhecer o que seja qualidade, de forma que o jornalismo deveria, em determinado momento, ter alcançado a excelência para ser, hoje, definido como precário e desarticulado. Logo, um produto ruim é considerado como tal porque temos a ideia do excelente, do perfeito. O surgimento de bons jornalistas ocorre constantemente, mas a excelência do Jornalismo e seus operários tem sido um quadro raro no mercado, de forma que será possível dizer que o Jornalismo está defasado, quando ele nunca foi realmente excelente? A degradação só é possível em um produto inteiro, bom, que, com o tempo, foi sucumbindo as pressões externas e aniquilado e deteriorado por diversas causas. Nesse sentido, a comunicação nunca foi produto inteiro, inteligente, maduro e pertinente, de forma que ela não está ruim, está, na verdade, há tempos, sem evolução e credibilidade. A linha de comunicação contemporânea e a forma como ela se desenvolve afirma, em cada notícia, programa e escrita, que ela é realizada sem questionamentos, reflexões, criatividade e preocupada em alimentar cultura, intelectualidade e formar mentes aptas a opinar e agir de acordo com a congruência, criticidade e reflexão.






A comunicação levanta diariamente a bandeira de sua importância, definindo-se como "formadora de opiniões". Se a grande massa de comunicadores tem sido os responsáveis pela formação social e intelectual do povo brasileiro, está claramente explicado o porquê de tanta mediocridade, irreflexão e falta de posicionamento para compreender a vida e a sociedade como tarefa coletiva, de/para todos. Proprietária de um poder global, os meios de comunicação perpetuam novas regras, endeusam pessoas, criam novas forma de consumo e fazem todas as mentes e opiniões seguirem os termos aplicados, sem nenhum tipo de indagação. O belo só pode ser de uma forma, o elegante de outra, a felicidade é viver como determinada pessoa... e todos buscam copiar as novas fórmulas, receosos de não se realizarem com as prescrições desse mundo externo. Os textos, gradativamente esdrúxulos, atacam de forma veemente as pessoas, as notícias de celebridades criam mitos de consumo, a crítica, tão bem formulada por Voltarie, José de Alencar e um número significativo de pensadores modernos, hoje, na pequena visão das pessoas, deve ser ofensiva, agressiva e briguenta; não se fazem críticas como antigamente, com argumentação, propriedade, inteligência e objetivos, visualizando o erro e propondo solucioná-lo. Hojé a crítica é fofoca, é ofensa física e emocional que não constrói argumentos e pensamento, só raiva e impulsividade.







Dentre as imprecisões e improdutividades, a exposição é a chefe. Não há pudor em mostrar as fragilidades das pessoas, as colocando em posição de vitrine. Quantos jornais, de tv e impressos, não ostentam imagens desnecessárias que só informam tolices e não se preocupam em educar à sociedade. A crise da dependência química e do alcoolismo são pertinentemente abordados de forma superficial e desumana, em que um dependente, portanto, doente, é mostrado na tv sem nenhum pudor. Pessoas sendo expostas alcoolizadas, "artistas" compactuando-se com a comercialização de sua vida íntima a fim de lançar novas forma de consumo e padrão de vida, programas sem propósito, entreterimento que fere e empobrece a formação crítica, já escassa de recursos realmente cultos e estimulantes. A comunicação, de fato, vem desservindo à população, criando um monopólio de ideias e ideais, fazendo grandes redes televisivas serem as propagadoras de informações e determinadoras do dia-a-dia do brasileiro.






Incentivador da formação de opinião para propósitos essencialmente capitalistas e gerando novos consumidores alucinados pela busca da satisfação, o jornalismo atual deforma a mentalidade do homem, criando informações improdutivas, pobres, que não forma corretamente e desarticula o saber, lançando às mentes para o raciocínio deformado do ser, do ter e do saber. Jornalismo e Jornalistas que não permitem que o indivíduo forme sua opinião, já fornecendo o seu pensar, noticiando de forma cínica, ao seu entender, aniquilando a possibilidade do indivíduo assimilar as informações e gerar a sua opinião, segundo seus valores, pois a notícia vem manipulada de acordo com a (pequena) visão do seu propagador. Um emaranhado de apóstolos do saber que invertem sua missão e empobrecem e danificam os meios de comunicação, o jornalismo, e oferecem ao espectador, cansado do seu dia e do seu pensar, informações instantâneas e prontas para manter a mente do homem na sua ignorância e o seu eterno aceitar.






quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Povo Brasileiro.




O eminente escritor Darcy Ribeiro foi sociólogo, pensador, implantador da instituição "Universidade de Brasília" e, para nosso orgulho, brasileiro, politizado, intelectual, crítico e atuante nas principais questões de conflitos sociais que afetam o povo, o país. É autor de livros conceituados e pertinentes para formação intelectual de estudantes e cidadãos que objetivam ampliar sua visão política e social sobre à sociedade. Dono de uma visão inteligente e aguçada, consegue transferir para seus escritos suas idéias avançadas e críticas formuladas sobre o sistema social. O livro "O Povo Brasileiro", de sua autoria, foi tão ousado e corajoso que a princípio poderia ser considerado um livro altamente pernicioso para o determinante domínio da cultura de classes, em que uma minoria é absolutamente favorecida em detrimento de milhares de miseráveis. De natureza crítica e sagaz, o livro sintetiza, na magnífica visão sociológica de Darcy, à formação do povo brasileiro a partir de sua formação histórica, política e cultural. Permeado por inúmeras considerações sobre a criação de uma sociedade classista e racista, narra a subjugação do índio, que foi interpretado como ser imoral, do negro, que foi tratado como máquina de serviço e do branco, identificado como ser religiosamente, politicamente e culturalmente avançado para meio tão "pervertido e ignorante".






O desejo ou busca genuína de pesquisar e escrever palavras que reunissem várias considerações sobre as desigualdades e diversidades do Brasil, surgiu em 1964, quando ao retornar do exílio - por questões políticas - observou a necessidade de buscar respostas exatas sobre o porquê do Brasil ainda não ter dado "certo". Elaborado o questionamento, esforçou-se por entregar-se a metodologia de estudo, a fim de obter resultados significativos e respostas proporcionais ao tamanho desta  pesquisa (absolutamente complexa, de fato). Decorrido muitos anos, pois nosso pensador não era imediatista e leviano em suas argumentações, nasceu "O Povo Brasileiro", que caracteriza a rica cultura brasileira, transplantada da lusitana e diferenciada pela integração da cultura pastoril, através do índio, africanizada, através do negro, mas, ao mesmo tempo, desindianizada e desafricanizada, formando uma nova unidade cultural. Unidade esta baseada nos valores desses dois povos (índios e negros), dominados e direcionados pelos colonizadores. O caboclo, sertanejo, criolo, gaucho e caipira (as grandes camadas de interação do Brasil) foram formados pela condensação social desses povos, sendo que cada vasta região foi alterada em seu perfil cultural e social pela determinação econômica, ecológica, pela imigração de povos europeus e pelas condições do próprio local.






"O Povo Brasileiro", tão simples e atraente em seu título, guarda complexidades sociológicas em seu escrito, sendo um pouco de história, um tanto de sociologia e uma grande crítica social, apresentando uma teoria explicativa sobre as deficiências do país ocasionadas pelo processo de formação do povo, a fim de explanar as nuances e as desigualdades surgidas a partir dos princípios de formação do Brasil. Um país rico em recursos naturais, de arbóreas de cor brasa, portanto, definidas como Brasil, que aniquilou duas culturas sofisticadas e preparadas para viver no meio ambiente mais do que qualquer nobre europeu: os índios e os negros. Um país segregário, idolatrador da cultura externa desde o início da sua formação civil, que marginalizou e marginaliza o pobre, sendo este o grande colaborador da economia brasileira, mas uma nação rica em cultura e criativo no seu existir. Um povo de raça, parido de uma forma bruta de dominação, mas que conseguiu cumprir seu feito: fazer-se um povo, dentro de seu território e construir-se como gente, de forma peculiar. Gente índia, branca e negra que aglomerando-se nos espaços, aculturando seus saberes e fundindo-se culturalmente seus códigos de moral, originaram o vasto, rico, bonito e diverso território brasileiro; o povo brasileiro.








domingo, 20 de maio de 2012

Nossos Heróis.





Nossos heróis nascem conosco quando chegamos ao mundo. Esperamos deles tudo; tudo e mais um pouco. Por eles somos alimentados, cuidados e amados pelo mais profundo amor. Na medida em que crescemos e desenvolvemos nossa percepção e intelectualidade, logo conseguimos identificá-los, os chamando pelo nome de pai e mãe. Pai e mãe, duas unidades de laço forte e eterno que educam seus filhos e não deixam de ser pai e mãe, mesmo quando este pai e esta mãe não estão mais unidos por um relacionamento conjugal. Há lares em que o pai é a única figura educadora, em muitos outros a mãe é a única figura educadora presente, e em tantos outros há o pai e a mãe e, mesmo com a presença física, de ambos, os filhos percebem que toda educação moral provém mais de um do que do outro. Na nossa estrutura societária é comum ver a mãe como responsável determinante na educação moral de um filho e, muitas vezes, arcam com todas as responsabilidades, inclusive a financeira. Nossos heróis crescem conosco, nos preenchendo de amor, educação e tudo mais que podem oferecer. O que não nos oferecem, tanto em matéria, quanto em afetividade, só não proporcionam porque ainda não tem nem para eles, pois poderiam (e querem) dar o mundo para seus filhos.






Na visão de um filho(a), um pai e uma mãe devem ter moral perfeita e corresponder a todas as expectativas deles, que são comumente formadas pela cobrança que a sociedade lhes imputam. Tudo deve ser perfeito, principalmente para que os outros vejam e não critiquem o que possa ser definido como incomum. As expectativas e as cobranças (que são grandes demais) são feitas durante toda vida, quando os filhos querem toda matéria possível e todo carinho que acham que obrigatoriamente devem ter. Cada pai e mãe amam seus filhos como podem, uns já absolutamente capacitados a oferecer afetividade, outros preocupando-se com seus filhos para que eles sejam alimentados, tenham educação de qualidade e saúde permanente. E não seria isso uma prova de preocupação e amor? Os filhos imbuídos de muito amor, ainda, cobram mais. Se tem amor e falta-lhe matéria, acham que não estão sendo amados, se há muita matéria e pouca manifestação de afetividade, não percebem a seu redor qualquer prova de amor. Nossos heróis nos educam para sempre sermos felizes e desejam que nenhum tipo de sofrimento se aproxime dos seus filhos.







Nossos heróis tem a única obrigação (na nossa visão) de serem perfeitos e, como filhos, fazemos essa cobrança pelo decorrer da vida. Quando há falhas, quando o erro surge e o comportamento por eles realizados não se enquadram com nosso sonho infantil, surge a crítica, o rancor e o desamor por àqueles que, como nós, são seres humanos, aprendendo a viver e a crescer, com pecados, qualidades e falhas. Queremos, no mais profundo egoísmo, que nossos heróis permaneçam naquele pedestal criado pela nossa mente desde quando nascemos e nunca, nunca saíam de lá, como a mais bela estátua criada pelo artista que a cria para ser imutável e eterna. Não aprendemos que nossos heróis são carne e espírito, que erram, acertam e vivem pelo mesmo propósito que nós: evoluir. Não aprendemos que Deus não criou nossos heróis para nossa incansável felicidade e realização de qualquer desejo, mas sim para evoluir e crescer como, vejam bem, nós mesmos.






Enfrentamos com o mais profundo rancor e aversão os atos considerados errôneos cometido pelos nossos pais, nos esquecendo que nossos pais, heróis e educadores são simples seres humanos e, serem nossos pais, não os tranformam em deuses perfeitos e intocáveis. Precisamos, na verdade, compreender que um pai e uma mãe, antes de cumprir esse papel, são filhos, cidadãos, seres aprendentes e humanos. Precisamos dar espaço para nossos pais serem pais e seres humanos, assim como os pais devem compreender que seus filhos não nasceram perfeitos e para somente proporcionar felicidade, mas são seres humanos que vão desejar e realizar feitos que não correspondem ao que um pai e um mãe desejam. O amor, o amor profundo e verdadeiro, somente surge quando podemos reconhecer nosso ente querido e nossos amigos, como seres humanos, compreender suas falhas e entender que cada um possui suas mazelas e estão na jornada da evolução e, mesmo assim, amá-los, honrando-os, os perdoando para sermos também perdoados e oferecer espaço para nossos heróis serem não só nossos pais, mas sobretudo seres humanos.





sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mulher: A Mãe da Humanidade.





Possuidora de um contraste absurdamente intrigante, que mescla-se entre a delicadeza e força, o papel da mulher é determinantemente dominante na família e sociedade. É mãe, esposa, filha, educadora e profissional; mas não é o excesso de funções que faz das mulheres figuras de facetas diversas e dúbias emoções, mas sim a forma como conseguiram criar ferramentas para administrar as vastas atividades que realizam no decorrer de seu desenvolvimento. A velha discussão sobre a mulher ter maiores potencialidades ou não perante o homem, é teoria infrutífera. A moral que torna a pessoa melhor e apta e não sua condição sexual. O raciocínio e a moral, ao meu ver, que determinam a evolução ou falta dela no caráter do indivíduo e não a constituição física, que organizadamente separa o homem e a mulher de acordo com suas funções reprodutivas sexuais, preparando a fêmea sempre para desenvolver e criar seu filhote (em quase todas as espécies), mas nem sempre com a participação do macho.






O fato é que a capacidade de gerar atinge a mais profunda região emocional das mulheres. Ela torna-se mãe, depois avó, sendo esta última uma segunda mãe, sendo mãe, também, de seus sobrinhos e, muitas vezes, de seus próprios maridos. O corpo gera e prepara-se para cuidar, educar e zelar, mas será somente o corpo que determina a paixão que a mulher tem pelo cuidar? Diria que não, analisando o fato de que muitas mulheres não geram, mas não deixam de se sentirem mães. A mulher é cuidadora nata e genuinamente perita em amar. Sente comiseração, penaliza-se pelo o outro e chora por qualquer tolice que atinge sua alma. Desde a meninice, quando lhe dão bonecas para pentear e vestir, diferenciam-se dos meninos que devem sempre correr nas ruas, ter coleção de carrinhos para imaginarem-se partindo, contrapondo-se as meninas, sempre com suas panelinhas de cozinha e bonecas para ninar, vestir e amar. Desde as pequenas brincadeiras, ao cuidado que deve (juntamente com sua mãe, portanto, mulher) exercer nas atividades domésticas, o mundo apresenta sua real função na sociedade: a parte cuidadora e administradora de suas relações. Este texto, no entanto, não pretende ser feminista, pois a escritora dele não é, mas sim humanista, tendo em vista que o homem e a mulher são complementos para formação da base moral da formação de um indivíduo: a família.






A mulher, no entanto, sofre certas pressões de valores sociais. Valores esses que distinguem as pessoas por motivos diversos não as respeitando como seres humanos. Isto pode ser notadamente observado pela vida sexual da mulher e do homem. Para a primeira, o desenvolvimento da sua sexualidade deve ser retido, comportado, já para o segundo a quantidade cria o estranho valor de ser considerado qualitativo em relação ao seu grupo. Tais comportamentos são tão esdrúxulos que torna-se tarefa árdua não comparar com estudos de primitivos inferiores, darwininos ou de etologia. As diferenças são muitas e classistas. Entre as várias formas de classificação, há as mulheres consideradas pelo bando como "corretas" para a iniciação do matrimônio, entretanto, há outras de uso comum, que realizam atividades de prazer estritamente masculino e, portanto, apesar de cumprirem as funções consideradas corriqueiras pelo bando, não são identificadas para escolha matrimonial. Valores tão medíocres que colocam homens e mulheres constantemente em escala de produtos para consumo, mas não como seres humanos imbuídos de qualidades e falhas.






A mulher dentro essa trajetória classista e preconceituosa perante o mundo, tem a árdua função de fazer-se gente, mesmo quando o mundo não a trata como tal. Mulheres que em grande quantidade assumem a função de sustentarem e educarem seus filhos sozinhas, tendo que ouvir que são solteiras e, portanto, imorais para a atividade que com garra e solidão se prestão a fazer. Mulheres que acolhem suas filhas e netos, quando eles encontram-se sem apoio da figura paterna e, mais uma vez, tornam-se mães de seus filhos e segundas mães de seus netos, provendo a casa e ensinando uma força que somente fora construída na batalha da vida. Mulheres que cuidam de seus maridos doentes, sejam por questões meramente físicas, emocionais ou de vícios; estruturam seus lares, educam suas crianças e carregam nas fracas costas a responsabilidade de serem donas de um lar. 







Não bastando todas as tarefas e atribuições do ato de ser mulher, há, ainda, a profissionalização, o trabalho. O trabalho bonito da mulher que pôde, por condições financeiras, ter uma profissão de doutora, auxiliar as pessoas e desenvolver o intelecto, mas tem, também, a mulher que não pôde ter estudo, mas não deixa de prover sua casa, que cumprem trabalhos sob o sol, imploram por cidadania e, quando precisam, exercem uma rotina de muitos empregos, tentando levantar um "tiquinho" miserável que não alimenta o homem, mas não os deixa morrer prontamente. Mulheres que mesmo sem instrução, criam formas de trabalho, vendem seus produtos na rua, pedem para limpar as casas das mulheres que puderam ser doutoras e dormem em paz sabendo que estão cuidando de sua cria. A essas mulheres que são mães (de tudo e todos), mesmo quando não podem gerar, dedico este texto, pois toda mulher já nasce mãe, mesmo quando não deseja e toda mulher torna-se mãe de algo, alguém ou de seu próprio filhote, amando, tratando, cuidando e exercendo sua evolução e, assim, compreendendo a verdadeira razão da vida: que o amor conduz ao bom trabalho e o trabalho generoso, amoroso e caridoso, é o princípio da evolução e de toda razão que constitui a humanidade. Mulheres, mãe da humanidade.





sábado, 5 de maio de 2012

Mulherzinhas.






Era um laço estranhamente forte, de linhas invisíveis e amarro eterno
Um laço de esmero e cuidado, de finas e infiltráveis linhas de amor.
Uma convivência terna, um olhar sábio e a mais pura vontade de ser e ter.
Meninas em número de quatro, ou como escrevem, quatro meninas.



Teciam conversas, explanavam sonhos e acreditavam no amor
Um amor leal e forte, contínuo e lúcido.
Que esperava o conhecido amigo à casa retornar
E sonhava com o dia que para casa o pai permanecerá



Guerras, medos e fome, como enfrentar à dor?
Pela primeira o amor, pela segunda, não mais que a razão
Na terceira somente a abnegação e a quarta por tintas escorridas nas telas.
Sua mãe, tão bela e serena, espera das filhas somente amor.



Amor para com elas, com abraços companheiros, sonhos compartilhados
E gestos destemidamente desejosos de viver a confortável leveza do ser.
De infância doce e sonhadora, vivia as meninas de May Alcott
Criando histórias, inventando sonhos e acreditando no impossível



De tanto sonharem, conquistaram o belo amigo
Que tinha o que as meninas não tinham, mas desejava ter o que já possuíam
Meninas felizes, meninas mais graciosas por não viverem só, mas serem quatro
As quatro meninas irmãs mais singulares que o papel já pôde narrar.



Mulheres diferentes, por serem mulherzinhas ou
Como definiram, Adoráveis Mulheres
Que amarrando laços invisíveis puderam elevar o amor,
Esse profundo amor das mulherzinhas da senhora March.
Que adoráveis mulheres.




Minha singela homenagem a obra "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott, pois quando me recordo desse escrito, emoções diversas me tomam e me conduzem para um patamar melhor, enriquecendo meu ser por ter percebido tamanho amor e amizade diante todas as fragilidades que essas adoráveis mulheres tinham, mas não temiam; viviam, mas enfretavam e, sobretudo, sabiam, mas guerreavam. Que laço de amor mais bonito! Que mãos companheiras e adoráveis que levaram minha alma a conhecer a mais pura sensibilidade pertubadoramente transformadora.






domingo, 29 de abril de 2012

O Último Trem da Tarde.




O último trem partiria daquela velha cidade as seis horas da tarde. Um excelente horário para partir, pensou Maria. Já havia alguns meses que ela pretendia abandonar aquela velha cidade pequena, mas não sabia como. Às vezes, convencia-se que não deveria percorrer longos caminhos por falta de dinheiro, depois pensava em todos que amou, amava e que ainda poderia amar naquele pedacinho de terra. Mas naquele dia, depois de guardar por sete meses uma velha mala preparada com todos os seus pertences, decidiu que deveria partir. Para onde? Para o trem, oras. Não importa onde ele a levaria, mas levaria para algum lugar, afinal de contas. A espera era longa. A mais longa de sua vida; nem sequer almoçara para aguardar aquele momento. E o dia estava perfeito! Tudo o que Maria esperava para este momento era isso: um frio leve, um colorido cizento no tempo e poucas pessoas ao seu redor. Aquele trem sempre fora o único meio de transporte naquela cidade perdida, esquecida pela industrialização. Quando queriam visitar amigos, esticavam seus pés pelas estradas ou usavam carroças velhas, meio de transporte rústico e popular na cidade, todos tinham.





E em meio a carroças e andanças sem fim, torna-se fácil compreender o desejo de uma jovem sagaz, conhecedora dos cantos de todos os pássaros e amante das principais cachoeiras escondidas nas matas serranas da velha cidade. O relógio da cidade, no topo da igreja, avisou que faltava apenas meia hora para a chegada do trem. Para onde o trem vai? Ele pára onde? Em cidades, montanhas, casas grandes ou cidades sem verde, onde árvores não mais nascem e as ruas são cobridas por matérias estranhas, em que matos não crescem? Que estranho! Lugares em que as pessoas preferem fumaças às plantas? o pensamento de Maria foi tão esdrúxulo que sua boca soltou uma gargalhada, o que fez a senhora do banco na frente despertar de seu leve cochilo e emburrar-se por isso. Bem, não importa, quero ir no trem para lugares distantes, inóspitos e convidativos a transeuntes apaixonadas pelo ver e viver o novo. "Quero crescer", ansiava Maria. Não queria mais repetir seus dias, ver as mesmas pessoas e esperar anoitecer. Queria mais!





Tinha deixado uma carta para sua avó e uma rosa amarela, sua preferida, mas sabia que ela não se sentiria surpresa. "Quanto tempo não quero partir no trem". Sua avó sabia. Certamente sabia. O sonho de Maria crescera com ela e, como a criança que deseja um dia ser adulta, o sonho de sua menina ficara grande demais para caber na sua vida. "Quando deseja algo que não encontra, é porque ele está em outros espaços e, por isso, é preciso caminhar até ele" dizia sempre sua avó. Naquele dia Maria decidira, de uma vez por todas, que caminharia até o seu sonho. Que sonho? Nem ela mesmo sabia, mas sabia muito bem o tamanho do buraco que ele fazia em sua alma, pedindo mais, gritando por liberdade e ansiando por empresas e projetos. Um som maquinário se aproximava e, com ele, o coração disparado pelo medo do novo perpassava por Maria. Sempre há uma escolha. A vida é uma escolha. Ficar ou partir? Entregar-se ao conhecido e apaziguar a alma ou provocar a imersão de novas realidades, fazendo a mente pensar e acostumar-se, ora com a dor, ora com a alegria?





Antes que pudesse pensar, a porta se abriu. Lá dentro tinha bancos, janelas largas, tudo muito confortavelmente preparado para seduzir viajantes. Um dos seus pés conseguira ir para frente, o outro não ousara. Parte de si buscava o trem enquanto seus pés lhe seguravam em terreno firme, conhecido e amado. A última chamada foi feita; toda a máquina foi novamente ligada e os passageiros estavam a bordo, menos Maria. Ela estava vendo ao seu redor aquele mundo todo verde, de árvores e pássaros amigos e percebera, pela primeira vez, que nunca tinha sentido o cheiro forte de fumaça como daquele trem e nem visto cores diversas além do verde gritante das matas. Será que precisava ver? Será que só cresceria se partisse no trem? Seus pés foram para frente, seu corpo decidiu antes de sua mente. Já estava encantadoramente sentada em uma poltrona estofada com flores de cor rosa; colocara sua pequena mala nas acomodações e sentara perto da janela. Pelas janelas via o tempo passar, o verde desaparecer pela distância geográfica e cheiros novos aparecerem, acompanhados de cores novas e rostos novos. Não importa onde o trem pararia ou se iria voltar em breve; ou nunca, o que importa é que o medo partira e foi substituído por uma sensação nova, desconhecida e enigmática, apresentando um novo tempo, um novo estado e uma nova Maria. Nesse momento, Maria percebeu que não seria o trem que a faria crescer, já havia crescido quando desejara partir no trem. Tinha crescido  quando decidira não ser mais a mesma. Já não era mais menina. A última curva foi alcançada, o vento tornou-se veloz e, pela janela, formas e relevos diferentes se apresentavam aos seus olhos. Um novo mundo estava à sua frente.