segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Xingu: Um Brasil Preservado.




                                                          Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas.

"Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou. Porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer”



Em meio a expectativas, sonhos, ideais, locais longínquos e um imenso espaço geográfico a ser mapeado e desbravado, partiram os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas, na década de 40, para o oeste do Brasil. Estimulados pelo projeto "Marcha para o Oeste", do então presidente Getúlio Vargas, os irmãos enveredaram por uma bela aventura que modificou significativamente suas vidas e valores, tranformando-os em indivíduos que traçaram um novo patamar na história do Brasil e protetores de uma cultura pouco valorizada, buscada e definida com relevância para a história do desenvolvimento do povo brasileiro: a indígena. Movidos pela paixão e desejosos de inovarem suas vidas, histórias e encontrar o novo, os tão jovens rapazes se integraram na expedição de natureza política cujo objetivo era, entre outros, descobrir o oeste brasileiro, dominá-lo, habitá-lo e desenvolver o que poderia ser futuramente uma das regiões prósperas do Brasil, criando novas formas de mercantilismos, mapeando o desconhecido e cientificando ao regime político a dimensão de suas posses, seu patrimônio e qual era a estrutura dessa parte pouco perscrutada e não encontrada nos mapas, livros e na história do país.







Imbuídos pela sagacidade pelo novo e movidos pelo genuíno desejo jovem de experimentarem a vida e descobrir novos mundos (dentro e fora de si), os irmãos Villas-Bôas partiram por esta extensa faixa de terra brasileira, enfrentando todas as intempéries das matas, colocando-se junto de seus companheiros em posição de perigo, de exaustão e de precariedade para viver o que parecia ser uma opção de vida investigativa e nova, deixando para trás todas as expectativas de uma vida urbana de hábitos, carreira, status e mediocridades diversas, nascidas dentro do que se conceitua riqueza, elegância e necessidade social. Encontraram um novo mundo dentro daquele montante de fauna, flora e terra que acreditava-se ser vazia e, portanto, pronta para ser industrializada e servir o capitalismo, sempre urgente. Encontraram, na verdade, gente, com padrão de vida absolutamente adaptado para aquela vida na floresta (aparentemente impossível aos olhos urbanos), aglomeradas em famílias, com sistema de sobrevivência e manutenção já estabelecidos para vida indígena; encontraram índios, vivendo em aldeias, sobreviventes dos mecanismos variáveis e rígidos das matas, com uma filosofia de vida e padrão cultural rico, admirável e sábio para uma sociedade urbanizada que baseia toda sua cultura no letramento e materialismo.

                                                                      Xingu




A expedição, formulada por objetivos políticos, propiciou uma espécie de redescobrimento do Brasil, mostrando a toda nação as peculiaridades e variedades existentes neste espaço territorialmente extenso em terra, mas também em cultura, arte e diversidade. Mas mesmo diante aspectos tão ricos e evidentemente solicitantes de preservação, o regime político vigente, não definiu por bem deixar tanta área "inutilizada", sem "fazer dinheiro", alavancar o comércio, rentabilidade e estabelecer novas fontes de aproveitamento de tanta área virgem, exposta e habitada apenas por ditos primitivos, iletrados, portanto, indignos de decidirem seus destinos e permanecerem em área oficialmente brasileira. Dentro deste contexto, onde a política vigente tinha objetivos contrários aos de preservação do povo indígena, os irmãos Villas-Bôas foram os principais defensores da preservação indígena, unindo os índios de várias etnias e propondo um modelo de preservação que proporcionasse uma área restrita aos índios; a criação de uma espécie de "cidade de índios", onde os mesmos pudessem ser preservados, dar continuidade as suas vidas (sem interferência do homem branco) e viver de acordo com sua cultura, saber e integração com a natureza.








Por tantas lutas, ideias, ideais, buscas e propostas para a manutenção, preservação e respeito a cultura indígena, os irmãos Villas-Bôas foram os principais responsáveis, idealizadores e sonhadores do "Parque Indígena do Xingu" (apesar de tantos outros nomes conhecidos e não conhecidos que estiveram unidos pela causa). Criado em 1961, o "Parque Indígena do Xingu", concretizou a busca dos irmãos em preservar uma cultura despreparada para viver com o homem branco e a luta para não aniquilar a cultura indígena, enraizada e vasta, que não deveria ser dissolvida na comunidade branca só por ser diferente ou considerada imprópria. A voz dos irmãos Villas-Bôas e a importância da mensagem que levaram foram tão relevantes e necessárias que a sociedade brasileira despertou para uma nova consciência, mais humana, ampla e sábia, resultando no surgimento de organismos de preservação indígena, na criação, em 1967, da FUNAI (Fundação Nacional do índio) e na interação do homem branco com o índio, sem que para isso fosse necessário agredir e permear na cultura indígena de forma violenta, subtrair seus saberes e modificar toda a estrutura criada desde tempos imemoráveis. 



                                                       



Orlando, Cláudio e Leonardo (este morreu precocemente, tendo abandonado o Xingu antes de seus irmãos), apesar de muito jovens, iniciaram um trabalho humano, rico, generoso e de natureza social-política-cultural que permanecerá por muitos anos, pois a luta ainda é urgente, o descaso com as causas indígenas continua a ser atual e o modelo de preservação elaborado pelos irmãos, apesar de eficiente e eminente, ainda precisa ser efetivado e conservado pelas próximas gerações; tanto que até na dita eminente Constituição da República, que supostamente rege a igualdade e fraternidade ao povo brasileiro, é possível identificar uma permissão restrita aos legisladores definida como coerente, mas absolutamente corruptível ao ser analisada:


"Autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas mineirais" Artigo 49, XVI



Na nossa atual realidade ambiental, na qual toda preservação e conservação dos recursos naturais se faz urgente para manutenção e sobrevivência da própria espécie humana e diante a crítica proteção à cultura indígena propiciada pela sociedade, torna-se uma contradição o citado artigo, no qual confere permissividade em demasia no uso dos recursos naturais, nas quais poucas cabeças do Congresso Nacional (que vem cada vez mais enraizando seu descrédito com o povo) tem o poder de decidir ação tão relevante e com efeito devastador ao meio ambiente, ao povo e a toda vida terrestre.






O projeto Xingu, tão perfeitamente criado pelos irmãos Villas-Bôas, ensinou ao Brasil e ao mundo que é possível preservar e auxiliar na manutenção de um modelo de preservação ideal e adequado para as necessidades do mundo. O índio, dito tão primitivo e ingnorante, tem como modelo de vida o exemplo essencial para as tantas outras comunidades do mundo. Ele usa, mas não abusa, mantém sua monocultura por tempo adequado, não agredindo em demasia o solo, não consome (em abundância) os supérfluos criados pela tecnologia, moda e produtos que, apesar de ditos necessários, se não usados, não coloca o homem em situação de risco. O índio respeita a natureza, a louva e é consciente de que existe por ela. É parte dela.






"Xingu", maravilha cinematográfica produzida por este país sem grande prestígio na sétima arte, trouxe aos brasileiros a história, mérito, luta e as conquistas dos irmãos Villas-Bôas que em busca pela "Marcha Para o Oeste" decidiram optar pela luta pela humanismo, vinculando a terra ao homem e criando meios para que a vasta população indígena, com sua rica cultura, fosse preservada e mantida dentro de sua própria fronteira, dentro de um lugar para chamar de seu, pertencente ao povo. Toda entrega dos irmãos Villas-Bôas, que doaram toda sua força de trabalho, pensamento e vida para o trabalho eminente das questões indígenas deveria ser matéria de escola, introduzida com mais veemência nas páginas dos livros de história e discutida com o heroísmo que o caso pede, pois a disponibilidade dos irmãos em viverem mais de quarenta anos em função da padronização e efetivação do modelo idealizado por eles para preservar o Xingu, manifestou o caráter virtuoso e forte destes homens, trazendo fé aos cidadãos de que é possível uma mudança eficaz e equilibrada para solucionar questões tão conflitantes, pois além da preservação ambiental e indígena, os irmãos Villas-Bôas lutaram, acima de tudo, pelos direitos humanos, concebendo o homem como elemento a ser respeitado por toda humanidade; a ter sua integridade garantida acima de qualquer interesse que não seja a conservação e direito à vida, realizando uma obra ampla e louvável de preservação ambiental, cultural e humana.