domingo, 1 de julho de 2012

Histórias Cruzadamente Reais.






O papel e a função da empregada doméstica, recluso e oculto em casas de famílias, está sendo discutido e apresentado de forma real e diferenciada no filme "Histórias Cruzadas", evidenciando as fragilidades, dificuldades e injustiças que ocorrem no trabalho doméstico, a responsabilidade de manter e administrar casas de famílias, enquanto os membros destas, em sua maioria, constroem uma vida estável e sem a necessidade de aplicarem sua força de trabalho em ofício fisicamente dispendioso e remuneração incompatível com a possibilidade de progresso material. Apesar do principal ponto de debate do filme ser o sistema de segregação racial e o desrespeito aos negros, não há como negar que os empregados domésticos, independente da raça, sofreram e sofrem desigualdades e inferiorização em seu ofício. O filme narra o depreciativo sistema de exclusão racial, mas por abranger um tema tão rico e amplo, tornou-se um material oportuno sobre as condições do trabalho doméstico e a realidade dos empregados deste ramo. O filme explana a vida de mulheres que dedicam-se a árdua e ingrata tarefa de serem - como se conceitua atualmente - secretárias do lar, realizando limpezas, preparando alimentos e cumprindo todas as funções para o "funcionamento físico" de uma casa. Retratando uma época mais rígida e segregária do que esta dita "moderna", o filme destrincha os maltratos, a subjugação e a inferioridade que as profissionais domésticas eram (e são) submetidas ao realizarem a nobre tarefa de cuidar, basicamente, da "sujeira dos outros".






Os países ocidentais criticam e depreciam alguns países orientais que se estruturam por sistemas de castas, onde determinantemente a casta inferior deve ser a responsável por cuidar e excercer todas as atividades degradantes, incultas e flagelantes, mas, no entanto, a maioria dos cidadãos ocidentais tratam seus empregados domésticos com desrespeito e os condenam a injusta classificação de inferioridade. Na prática, infelizmente, o que presenciamos é uma sistema de casta estruturado, no qual esses profissionais não tem respeito e nem valor social e profissional. Preconceitos, falta de oportunidades e vítimas de um ciclo repetitivo, em que o acesso ao crescimento material e educacional é constantemente negado, passam a ser a realidade desses profissionais que, em grande maioria, por terem nascido à margem da pobreza e não terem tido possibilidade de uma formação intelectual, tornaram-se mãos-de-obra barata para o Estado, oferecendo seus trabalhos praticamente por toda uma vida, sem terem crescimento funcional e monetário.





O filme, além de apresentar a inferiorização que as empregadas domésticas sofriam (e sofrem), aborda questões relevantes como o preconceito racial, a diferença de classes, as diferenças sociais e humanas que essas mulheres foram submetidas por serem negras, domésticas e a cultura da década de 60. O fato é que não é a função que é incongruente e baixa, mas sim a forma como é tratada e a falta de um plano de carreira que possibilite a essas profissionais (que permitem que outras mulheres e homens possam se afastarem de sua unidade familiar) terem acesso à educação, cultura, saúde e progresso na vida social e financeira. A formulação dos direitos trabalhistas propiciou o surgimento de uma realidade mais justa, estabelecendo o salário mínimo, a necessidade do descanso remunerado e de regularmentar a quantidade que um trabalhador deve e pode oferecer seus serviços, sem prejuízo de sua salubridade, mas isto é apenas o início de uma significativa mudança no âmbito do direito do trabalho que indubitavelmente deve continuar a ser modificado.



Que possa, a despeito de direitos trabalhistas, surgir a consciência do respeito a dignidade de vida humana, despertando às pessoas para a conscientização de que, só podem se ausentarem de suas casas, para trabalharem, multiplicarem seu dinheiro, estudarem para alcançar oportunidades e melhoria, pois há a existência dessas personagens, as empregadas domésticas, que cumprem atividades que outros profissionais consideram degradantes, sujas e pequenas, limpam as sujeiras de seus patrões e tem como retorno, um pobre e medíocre salário no fim de mês, desconsideração social, segregação jurídica, a constante inferiorização por serem pobres; sendo consideradas muitas vezes aptas a cozinhar para o empregador, mas não de sentarem-se à mesa para compartilharem a refeição que elas mesmas prepararam. Uma função relevante, que participa diariamente da vida de milhões de cidadãos, mas não é vista e tratada como profissão, como atividade importante que permite que milhares de pessoas possam construir uma vida mais estável profissionalmente. Uma atividade secular que não teve desenvolvimento social e legislativo, ficando estagnada e definida como função degradante e própria para pessoas de pouca escolaridade, mas que, mesmo permeada de dificuldades, fazem mulheres fortes, valentes e segregadas, não terem vergonha de saírem diariamente de suas casas, deixarem seus filhos em prol de muito pouco para sua subsistência, enfrentarem humilhações e precariedades, mas firmes e precisas no propósito de manterem suas famílias e conquistarem dignidade de vida, mesmo sendo, ainda, uma dignidade precária e injusta.