quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Que Moça Velha.




Ela tinha os olhos suaves e profundos, com uma melancolia natural de um ser desejoso da vida e de suas nuances. Sua pele era nova, sua idade, ainda muito jovem, mas seus olhos eram idosos e viam a vida sobre um prisma sereno, como se a vivência tivesse chegado antes que a velhice e serenidade. Uma pequena grande estranha mulher, que via elementos impercebíveis, contava os dias como epopéias e queria ser grande de uma maneira singular aos outros sonhadores que trasitavam com ela. Uma moça já muito velha em um corpo muito novo. Uma discrepância que a fazia não entender, muitas vezes, nem a si mesma quando podia sentir sua excedente maturidade falar e, em outras, sua meninice a chamar para realidade. Queria definir o mundo, os outros e a si. Encontrar a forma perfeita de viver, falar, pensar, aprender, caminhar e conhecer a inteligência ideal para a sabedoria e perfeição. Qual o caminho? Pensava, pensa e pensará ela, tão jovem e tão velha. 






A moça, tão velha que era, desejava momentos de paz, deixava a preguiça tomar-lhe conta e realizava leituras diversas, como se fosse a atividade  mais poderosa do mundo. A moça, dentro da pequena velha, desejava a vida frenética, mais veloz e viver experiências pares, como se cada andar fosse lhe proporcionar uma visão mais aguçada e alegre da vida. Mundos, passagens, histórias e viagens fazem parte dos sonhos da moça velha. Paz, iluminação, palavras sábias fazem parte da velha moça. Quantas facetas, caracteres e faces guardava essa moça. Muito velha por dentro e muito nova por fora. Uma moça de dualidades e caminhos diversos e complexos dentro de si. Com sismas e questionamentos sem fim e certezas já bem enraizadas nos patamares da alma. Uma moça velha bonita em sua essência, mas não ainda perfeita em sua condição. Gostava de palavras de todos os tipos e sentia fascínio pelo interpretar. Uma moça santa e pecadora, que entrava em conflitos com seu mundo interno e externo; afinal, quem disse que seria inteligível e banal os caminhos para a perfeição.






Uma moça velha. De fato. Seus olhos eram profundos, sua visão sistemática e sua busca sem fim. Debaixo de uma pele nova e fugaz, com um olhar duro e doce, uma indagação curiosa sobre a vida brotava constantemente nela. Seus olhos eram muito, muito espertos. Bonitos, ela não sabia, mas queria a beleza eterna de uma alma alegre e feliz com a vida que tem, pois lhe foi dada, presenteada por forças inteligentes e sábias. Já é velha, ainda é moça, uma bailarina da vida que gosta de vivê-la com pequenos passos, sentindo a música como se fosse clássica e o vento como uma bela orquestra. Que moça estranha, dizem todos. Mas é porque a moça já é velha. Uma velha moça, ou moça velha que existe dentro de si e parte quando quer, sonhando e desejando enquanto moça e compreendendo e aprendendo enquanto velha. Que moça velha.




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Charles Dickens: Um Contador de Histórias Reais.


Nascido em uma época de grandes transformações sociais, segregação humana e crescente urbanização, o louvável e perspicaz escritor britânico Charles Dickens presenciou o surgimento do movimento conceituado de "Revolução Industrial", e os significativos transtornos e alterações  decorrentes do processo de industrialização, iniciado em seu país, Inglaterra. A estruturação de uma sociedade sucumbida pelo capitalismo, a execução de trabalhos degradantes, em que crianças e adultos forneciam toda a sua capacidade de força de trabalho em troca de um pequeno remunerado (que não garantia condições para a concretização da dignidade de vida) foi cenário de (in)formação e crescimento deste talentoso escritor inglês. Ávido observador, crítico inteligente e romancista de visão abrangente e sagaz, Charles foi uma romancista de ficção de histórias similares a realidade. Seus escritos revelam ao leitor o olhar de um homem que criticou o seu tempo, espaço e a forma como o capitalismo desumanizou as pessoas, as definindo como matéria e ferramenta de trabalho para manutenção econômica. Pobreza, doenças, mendicidade, exclusão, trabalho árduo e segregação social são características sumamente impregnadas em seus romances, demonstrando enfaticamente, através de seus personagens, a realidade da Inglaterra Vitoriana. Charles, mais que um excelente escritor, foi um crítico social e reivindicador da justiça e igualdade social; satirizou as novas condutas e valores, demonstrando de forma romanceada a precariedade do industrialismo e a forma como atingiu e excluiu os cidadãos.




 
















Ilustração de Oliver Twist




"Oliver Twist", "A pequena Dorrit", "David Copperfield" e "Conto de Natal" são escritos que revelam a principal tendência do escritor: romancear e criticar a realidade e entreter o público, realizando assim, um duplo trabalho: denúncia social e literatura. Na obra "Oliver Twist", o protagonista é um menino, órfão e vítima de um sistema social que abandona a juventude pobre, mazelada, a vendo como entrave para sociedade industrial e capitalista. O jovem Oliver, símbolo da industrialização, do sofrimento e maus-tratos, é a personificação da orfandade e precariedade que viviam as crianças pobres no sistema industrial. No romance a "Pequena Dorrit", o trabalho desgastante, as diferenças sociais, as neuroses sociais surgidas em homens adoentados pelo seu meio, são denúncias realizadas no decorrer da narrativa, pintando um quadro social de angústia humana e de descaso com o cidadão.








Os personagens estereotipados de Charles Dickens apresentam diferentes comportamentos sociais, e como as pessoas viviam e sofriam na época de profunda decadência humana e do desenvolvimento crescente do capitalismo. Corruptos, prostitutas, velhos ranzinzas e medíocres e a fome que alastrava-se como vírus pela velha Inglaterra foram contadas pelo eminente escritor que, ultrapassando o designações sociais, presenteou a literatura e a humanidade não só um gênero de entreterimento, mas uma visão social crítica e bem formulada de como um sistema pode fragilizar, deteriorar e adoecer os indivíduos. E além de todas as características ricas, positivas e produtivas que sua literatura propiciou a literatura clássica, ciências diversas aproveitaram os registros de Dickens para historiar e codificar as condições sociais, culturais e políticas em que o escritor viveu, traçando uma linha clara, precisa e inteligível dos principais contextos sociais que envolviam à época.



 
Dickens, como seus conterrâneos Jane Austen, Elizabeth Gaskell, Irmãs Bronte e Shakespeare possui um estilo particular e primoroso na escrita. Um verdadeiro mestre das letras, que marcou o mundo literário com registros sociais e humanizados, que nos afeta de forma totalizada com sua obra multifacetada por motivos diversos como: sagacidade, crítica, erudição, enredo, riqueza de detalhes, conflitos, personagens e linguagem real romanceada. Um escritor transcendental e de abordagens ainda atuais, pois falou de temas e sofrimentos que ainda fragilizam o homem e a sociedade, enquanto escrevia de forma simplória e diversificada. Um escritor que merecidamente é admirado, louvado, definido e estudado como autor de uma obra rica, histórica e cultural, determinando sua excelência em paralelo a escritos diversos. Tão excelente, que apesar da comemoração de seus 200 anos de história, ainda é um autor buscado, lido e caracterizado como um dos principais escritores da literatura universal e preferido no gosto particular de leitores que apreciam a verdadeira e eminente arte.







domingo, 12 de fevereiro de 2012

Um Fim de Tarde.



Seis horas da tarde. As pessoas percorrem pelas ruas em movimento frenético. Um dia cansativo e longo foi cumprido com a determinação de trabalhadores que almejam algo que foi determinado por valores sociais nascidos em tempos primórdios, onde a necessidade do ter e fazer, se fez necessário para todos os humanos. Indivíduos passam uns pelos outros, sem olhar para os lados ou alguém. O próprio dia está cansado pelo tamanho que se caracteriza o fazer e ter. Levanta-se cedo, logo a forma orgânica reclama por comida, segue-se por qualquer tipo de condução a um determinado destino, labuta-se por tempo incontável. O dia está ganho. Uma ação que sabe ser obrigatória para ter uma resposta a continuação dessa vida: dignidade. O retorno do trabalho trás a dignidade do comer, beber, viver e ler a vida da forma dita plena e acreditada feliz. O movimento constante se consome na noite, que trás um vento frio e uma lua grande por demais. A cidade finalmente irá dormir. O mundo se silencia. Muitos dormes. Outros, iniciam a jornada noturna, onde o trabalho se realiza de forma serena, acompanhando a lenta noite.






O dia passa, logo transcorre a semana e o mês trás o final do ciclo humano frenético e veloz. A produtividade é caracterizada e somada em cédulas, o retorno do positivo é associado a barganha. Somos mesmos produtivos? Fazemos o positivo para nós e para os outros? A vida pede tanto, que o pensar e refletir é determinado para uma fase longínqua, onde o anseio do conquistar e o medo do não ter, talvez, não tenha mais signos ou semântica. Que tempo é esse? Tempos de máquinas andantes, ditas pensantes mais vivendo somente para propagar uma existência; até ela pedir para ir embora e deixar o outrora, não sabendo o que fez e o que aprendeu, pois as inúmeras responsabilidades do ser, não deixou a pequenina alma intrigar-se e indagar coisas a mais, delongas a mais. Se  vivendo se aprende, mas só se aprende mais a fazer outras maiores perguntas, poucos tem cumprido com louvor essa premissa; decorando apenas valores e buscando fontes improdutivas para catalogar a si, o mundo e o outro, não restou tempo para definir essa essência mutável e evolutiva, que não é carne e nem somente emoção, mas vida eterna.






Já é tarde. O dia amanhã será o mesmo. Rotina, trabalho e pessoas almejando uma patamar maior e melhor, sem perceber que o degrau de qualquer subida, quem faz é o escalador e a sensação de felicidade, quem sente é o próprio ser. O dia será novamente longo, as pessoas passarão umas pelas outras, o nervosismo será condutor em todas as atividades e, mais uma vez, acreditaremos que cumprindo funções sociais estaremos sendo produtivos e ganhando algo. O que? Dias sem pensar, momentos não sentidos, trabalhos que enganam o homem, fazendo-o acreditar que está ganhando poder e status e o homem, pobre homem, sem perceber que o transitório e a evolução é a lei da vida.