terça-feira, 15 de novembro de 2011

A História de Ian.

 

Naquele momento ele experimentou, pela primeira vez, um sentimento diferente de tudo o que já havia sentido. Em toda sua vida, nunca tinha sentido algo tão singular. Ian, com apenas  cinco anos de idade, sabida que, aquele momento, frio, estranho e torturante marcaria sua vida para sempre, de alguma forma. Era seis horas de uma tarde de outono que havia deixado todas as árvores que conhecia peladas "Por que isso, mamãe?" "Porque é outono meu filho, logo, quando for primavera, será diferente e teremos todas as espécies de flores pelo bairro" "Manda esse tal de outono embora, ele não tem direito de levar as folhas das árvores" Sua mãe, uma mulher magra, baixa e com poucos cabelos, ria do filho, desistindo, após várias tentativas, de explicar que  "o tal do outono" não tinha forma, embora deixasse cor por onde passasse. A caminhada, na verdade, levaria até a "Rua das Magnólias", local com muitas casas, um mercado velho e um abrigo para crianças. Lá, dizia a mãe "tem comida todos os dias e cama também, meu filho". Mas Ian não gostava de ouvir aquilo, embora não conseguisse explicar o porquê. Na porta do abrigo, podia-se ver crianças correndo para todos os lados, brincando, lendo e andando de mãos dadas com pessoas adultas (que pareciam gigantes perto de sua mãe).




Quando chegaram e sua mãe soltou sua mão da dele, um frio gélido caminhou pelo seu corpo. Ele não sabia, mas sentiria aquele frio pelo resto da vida, mesmo quando acreditasse que poderia chegar a ser feliz. O toque leve de sua mãe na porta, fez com que o pequeno aprendesse, pela primeira vez na vida, a perguntar o que estava acontecendo, o porquê de estarem naquele lugar estranho, que tem adultos, crianças, mas de nehuma forma se assemelha a uma casa, um lar. "Será só por um tempo, meu amor. Assim que a mamãe ficar com saúde e puder trabalhar, virei te buscar" Não! Gritava o menino, em meio ao choro seco da mãe, com uma tosse grave que avisava que, naquele corpo, a vida despedia-se aos poucos. Uma mulher alta, com vestes religiosas veio ao seu encontro, o fez - com muita força - entrar naquela "gaiola", com muros altos e pessoas estranhamente incompletas.




Duas semanas depois, a mesma senhora magra, lhe chamou antes do café. Ian, mesmo com seus poucos cinco anos vividos, sabia que algo na sua vida jamais voltaria a ser igual. Sua mãe, morrera, com apenas vinte e cinco anos. Ian, sem dinheiro, família, com um pai desaparecido neste vasto mundo, que o negou e o viu como uma entrave ao seu crescimento. Ian, um sozinho no mundo de solidão. Sozinho em um mundo absolutamente estranho, onde se pensa que o amor é um antigo conhecido, sendo apenas uma ilusão do egoísmo da vontade dos homens. Assim, os dias passaram, os anos chegaram e logo tornou-se um adolescente. Quando adulto via homens chorarem a morte, sentirem raiva, solidão e medo. Não entendia porque eles reagiam estranhamente a sentimentos que, para ele, eram velhos conhecidos desde a meninice. Ian não teve adolescência ou vida adulta de surpresas. A vida já havia lhe apresentado todas as formas de sentimentos possíveis a um homem.





Com 65 anos, descobriu uma doença no pulmão, resultado dos inúmeros maços de cigarro que consumia diariamente, depois que descobriu que o cigarro, de alguma forma, lhe tirava a ansiedade, extraindo para fora um sofrimento que nunca soube administrar. Morrera cedo, com certo sofrimento físico e a certeza de que a vida era coisa maldita, sem graça e difícil demais para viver. Não deixou filhos, nem casou-se, pois tinha um medo terrível de construir uma família "E se eles forem embora e me deixar?! Não, já aprendi viver sozinho". Sozinho viveu. No enterro, três crianças que o atentavam na rua, quando ele vendia suas balas, lhe deixaram flores. No túmulo, nenhuma foto. Ian se achava feio, nunca tirava fotos. Morreu com um homem sofrido, solitário e infeliz, criado em educandários, sem perspectiva e satisfação; sem nehuma pessoa que quis verdadeiramente o amar, deixando no mundo a única pergunta, que se repetia todos os anos, mas que nunca lhe foi respondida "Por que, Meu Deus?" .





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