domingo, 29 de abril de 2012

O Último Trem da Tarde.




O último trem partiria daquela velha cidade as seis horas da tarde. Um excelente horário para partir, pensou Maria. Já havia alguns meses que ela pretendia abandonar aquela velha cidade pequena, mas não sabia como. Às vezes, convencia-se que não deveria percorrer longos caminhos por falta de dinheiro, depois pensava em todos que amou, amava e que ainda poderia amar naquele pedacinho de terra. Mas naquele dia, depois de guardar por sete meses uma velha mala preparada com todos os seus pertences, decidiu que deveria partir. Para onde? Para o trem, oras. Não importa onde ele a levaria, mas levaria para algum lugar, afinal de contas. A espera era longa. A mais longa de sua vida; nem sequer almoçara para aguardar aquele momento. E o dia estava perfeito! Tudo o que Maria esperava para este momento era isso: um frio leve, um colorido cizento no tempo e poucas pessoas ao seu redor. Aquele trem sempre fora o único meio de transporte naquela cidade perdida, esquecida pela industrialização. Quando queriam visitar amigos, esticavam seus pés pelas estradas ou usavam carroças velhas, meio de transporte rústico e popular na cidade, todos tinham.





E em meio a carroças e andanças sem fim, torna-se fácil compreender o desejo de uma jovem sagaz, conhecedora dos cantos de todos os pássaros e amante das principais cachoeiras escondidas nas matas serranas da velha cidade. O relógio da cidade, no topo da igreja, avisou que faltava apenas meia hora para a chegada do trem. Para onde o trem vai? Ele pára onde? Em cidades, montanhas, casas grandes ou cidades sem verde, onde árvores não mais nascem e as ruas são cobridas por matérias estranhas, em que matos não crescem? Que estranho! Lugares em que as pessoas preferem fumaças às plantas? o pensamento de Maria foi tão esdrúxulo que sua boca soltou uma gargalhada, o que fez a senhora do banco na frente despertar de seu leve cochilo e emburrar-se por isso. Bem, não importa, quero ir no trem para lugares distantes, inóspitos e convidativos a transeuntes apaixonadas pelo ver e viver o novo. "Quero crescer", ansiava Maria. Não queria mais repetir seus dias, ver as mesmas pessoas e esperar anoitecer. Queria mais!





Tinha deixado uma carta para sua avó e uma rosa amarela, sua preferida, mas sabia que ela não se sentiria surpresa. "Quanto tempo não quero partir no trem". Sua avó sabia. Certamente sabia. O sonho de Maria crescera com ela e, como a criança que deseja um dia ser adulta, o sonho de sua menina ficara grande demais para caber na sua vida. "Quando deseja algo que não encontra, é porque ele está em outros espaços e, por isso, é preciso caminhar até ele" dizia sempre sua avó. Naquele dia Maria decidira, de uma vez por todas, que caminharia até o seu sonho. Que sonho? Nem ela mesmo sabia, mas sabia muito bem o tamanho do buraco que ele fazia em sua alma, pedindo mais, gritando por liberdade e ansiando por empresas e projetos. Um som maquinário se aproximava e, com ele, o coração disparado pelo medo do novo perpassava por Maria. Sempre há uma escolha. A vida é uma escolha. Ficar ou partir? Entregar-se ao conhecido e apaziguar a alma ou provocar a imersão de novas realidades, fazendo a mente pensar e acostumar-se, ora com a dor, ora com a alegria?





Antes que pudesse pensar, a porta se abriu. Lá dentro tinha bancos, janelas largas, tudo muito confortavelmente preparado para seduzir viajantes. Um dos seus pés conseguira ir para frente, o outro não ousara. Parte de si buscava o trem enquanto seus pés lhe seguravam em terreno firme, conhecido e amado. A última chamada foi feita; toda a máquina foi novamente ligada e os passageiros estavam a bordo, menos Maria. Ela estava vendo ao seu redor aquele mundo todo verde, de árvores e pássaros amigos e percebera, pela primeira vez, que nunca tinha sentido o cheiro forte de fumaça como daquele trem e nem visto cores diversas além do verde gritante das matas. Será que precisava ver? Será que só cresceria se partisse no trem? Seus pés foram para frente, seu corpo decidiu antes de sua mente. Já estava encantadoramente sentada em uma poltrona estofada com flores de cor rosa; colocara sua pequena mala nas acomodações e sentara perto da janela. Pelas janelas via o tempo passar, o verde desaparecer pela distância geográfica e cheiros novos aparecerem, acompanhados de cores novas e rostos novos. Não importa onde o trem pararia ou se iria voltar em breve; ou nunca, o que importa é que o medo partira e foi substituído por uma sensação nova, desconhecida e enigmática, apresentando um novo tempo, um novo estado e uma nova Maria. Nesse momento, Maria percebeu que não seria o trem que a faria crescer, já havia crescido quando desejara partir no trem. Tinha crescido  quando decidira não ser mais a mesma. Já não era mais menina. A última curva foi alcançada, o vento tornou-se veloz e, pela janela, formas e relevos diferentes se apresentavam aos seus olhos. Um novo mundo estava à sua frente.







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