Nas minas de carvão Voreux, localizadas numa cidade francesa, trabalhavam arduamente homens, mulheres e crianças, sem distinção de cor, idade ou disposição. Condicionados as necessidades da carne e da sobrevivência, lançavam-se diariamente ao martírio de serem mineiros e fazerem ricos os patrões e a eles mesmos, operários, mais pobres a cada dia. Despertavam pela madrugada e como bichos enfiavam-se debaixo da terra, a metros de distância do solo preenchido de vida, germinação e belezas. Como bichos, cavucavam a terra, suavam pelo calor excessivo que maltratava o corpo e não sabiam como aguentavam, como se a pele pobre e decaída, soubesse que não havia outra saída, a não ser aquela, de viverem como minhocas, em troca de uma miséria de vida e comida que nem pesava o estômago.
Percorriam horas prolongadas debaixo da terra, andando pelas galerias abertas, condicionando seus corpos a exercícios sobre-humanos para produzirem para seus patrões (capitalistas viventes do suor humano) e depois subiam a face da terra, vendo à noite que os tinham levantado na madrugada e voltavam para o Conjunto Habitacional, moradias desgraçadamente forjadas de casas, anexas as minas de carvão, uma mentira de casa inventada pelos senhores capitalista como vestígio de uma pseudo dignidade humana, que afirmavam descaradamente fornecer aos mineiros.
No Conjunto Habitacional, lugar que chamavam de casa, dormiam fatigados, dividiam o lugar que denominavam serem leitos, num cubículo de espaço tão minúsculo que sentiam seus corpos em comunhão. O calor impregnado em seus corpos misturavam-se com a sujeira não removida pelo banho escasso de baldes. Dormiam, sem poderem realmente descansar, num sono doído, com seus corpos pesados do trabalho e a barriga vazia, cheia de fome e o dinheiro que ganhavam não conseguiam nem se alimentar. Uma miséria de renda dada a cada um dos operários que, no fim, quando unida, não alimentava toda família e ainda deixava as crianças a chorar, de tanta fome e dor que tinham desde que se entenderam por ser parte daquela gente.
Na casa dos Maheu, o quadro de pobreza e crescente miséria, que adoecia aquela gente já destinada ao perecimento, fazia-se gradativa, como se fosse um símbolo de todo grupo de mineiros condicionados àquela situação quase não definida por letras ou ciência, em que o homem subjuga o homem de tal forma que pouca noção de humanidade ou racionalidade restam sobre no subjugado, adoecido de fome, de dor e pelo sistema de classe bem delimitado de mandatário e oprimido.
No sistema rentável de mineração, em que os ricos ficavam mais ricos e os pobres mais pobres, não havia pudores ou pauras. Todos eram atingidos. Crianças no andar de suas infâncias eram lançadas ao trabalho, educadas como produtos para produzirem, cobradas por terem sido alimentadas por tanto tempo sem produzirem. Meninas, sem mesmo entrarem na puberdade, eram obrigadas a darem seus corpos ao sistema: como operárias, trabalhando com a força de homens e seus sexo, estupradas, usadas e manipuladas pelo prazer do outro, como se fêmeas servissem para saciar a vontade de seus machos e, ainda, recebedoras de violência física, quando seu companheiro ou amante assim quisesse, apenas para expor o ódio intrucado pela fome e segregação.
Em meio a promiscuidade, fome, miséria e sujeira aquele bando de gente viviam como bichos. Amontoados de bichos que serviam a um único condutor. Um sistema de gado. Sem voz, fala, levando seus corpos subnutridos para o trabalho que enriquecia poucos e mantinha dezenas numa miséria degradante que distanciava àquelas pessoas de qualquer coisa que identificasse ser vida. Nesse amontoado de insalubridade, o jovem forasteiro Etienne surge como um ventilador que levanta novas ares. Possuído de informações, razões e motivos que poucos conheciam, lança a semente para uma nova forma de vida: revolução do povo para o povo, em que as ideias de Karl Marx não eram absurdas, mas uma possibilidade de se verem como povo e como gente que poderia viver e não mais sobreviver deste sistema de matança velada que era o capitalista contra o proletariado.
Essas novas ideias, como sementes em germinação, levantaram o povo, o levaram a outro patamar e iniciou-se uma revolução social entre os mineiros, depois de germinarem dentro de si a vontade de um novo tempo!
E, deste novo sistema de luta e germinação, nasceu "Germinal", obra do escritor francês Émile Zola que destemidamente passou 02 (dois) meses entre mineiros de uma mina de carvão, na França, para compor essa obra que germinou em mim, leitora e, sem dúvida, em todos os leitores que tem contato com esta obra, uma nova forma de ver a literatura, a escrita e a vida!
Germinal é uma obra indescritível, penetrante e nenhuma resenha ou consideração pode ser realmente boa para descrever a genialidade de Zola ao escrever sobre a pobreza dos homens (a moral e material), a fome, a descrença e o sofrimento em um estágio inimaginável para a vida de um ser humano. As criminalidades em decorrência do sistema capitalista, a luta de classes e o homem, imbuído de fome e revolta por dar à sua vida em favorecimento aos burgueses, enquanto morriam gradativamente, resulta não só na concepção de naturalismo e realismo literário, mas na criação de uma obra que é arte, denúncia, política, história e sumamente humana. Tão humana que nos deixa fragilizados pela falta de humanidade com a vida humana.