sábado, 11 de junho de 2011

O Sonho de Israel.





Em um dia escuro de inverno, onde a neblina cobria toda a cidade, Israel achava-se na rua 15, na frente da  "Igreja das Graças", local  que visitava todos os dias pela manhã. Não que fosse um menino religioso, afinal, com seus nove anos, seduzia-se por qualquer coisa deste mundo, menos por regras e normas de conduta. É que o menino ruivo, de cabelo sapeca, adorava esconder-se atrás das árvores da velha igreja, pretendendo investigar tudo e todos que passavam naquela rua. Com uma inteligência considerável para uma criança, Irsrael realizava seu trabalho de "espião" há mais de 10 meses. Para ser mais exato, desde que o "Circo Alegria" foi embora da sua pequena cidade, Israel arrumou, em uma mochila, um punhado de  roupas velhas e as guardou em um restrito compartimento do substrato da igreja, desejando, quando o circo voltasse, ir embora com eles. Claro, não contou seu intento a ninguém, tremia de medo de nunca mais ver sua mãezinha, que todos os dias saía cedo de casa pra trabalhar na casa dos Gonçalves e retornava só tarde da noite, para esquentar sua ceia e preparar o leite mais gostoso que ele já tomara. Depois da ceia, já em seu quarto, via sua mãe fechar a porta, depois de beijá-lo e cobri-lo com a coberta mais fina e velha que já vira, movida por uma intensa  determinação maternal, como se quisesse brigar com o frio, para que ele não ousasse entrar naquele quarto úmido, frio, de paredes de madeiras, amolar seu filho.





Israel tinha sua mãe e sua mãe a ele. Sem ela, não tinha ninguém e sem ele, a vida dela era um vazio sem sentido, sem objetivo. Sabia que deixá-la seria como matá-la, mas desde que vira o "Circo Alegria", não pensava em mais nada na vida a não ser em torna-se um grande mágico. " Um mágico de verdade" sonhava ele. " Um mágico que cria coisas, que faz sumir objetos, que voa quando quer!" Assim, Israel vivia seus dias, pensando que, se aprendesse sobre magia, poderia criar coisas. Fazer magia poderia tirar sua fome, seu frio e sua mãe do trabalho da casa rica do centro da cidade. "Mãe, se eu fosse um mágico, poderia fazer aparecer comida quando quiséssemos, ter cobertores grandes e uma casa com parede de tijolos, não de madeira", enumerava ele para  mãe, deixando-a com um riso frouxo e alto toda vez que o menino emburrava quando ela explicava que aquilo era uma mentira, e que magia, de verdade mesmo, não existia. Para provar para sua mãe que ela estava enganada, o menino ia todo santo dia para a igreja, esperando que o circo chegasse, o levasse e pudesse aprender ser mágico e, só depois, voltar para casa para criar, criar tudo que quisesse para ele e sua mãezinha.





Naquele dia, enquanto sentia o frio mais intenso de sua vida, sentado em seu esconderijo na igreja, ouviu um barulho alegre e um carro de cor vermelha e amarela virando a curva da velha rua da igreja. Era o circo. E aquele moço alto e magro que estava rindo para todos ao passar, era o mágico. O mágico que não saía de seus sonhos. Possuído por uma alegria inexplicável, correu atrás do estranho veículo (que por conduzir-se devagar, não cansou nem um pouco Israel). Finalmente, quando o carro parou para montar suas tendas, Israel alcançou o mágico e sem preocupação nehuma com formalismos disse impaciente: 

----  Nossa, por que demorou tanto? Estou lhe esperando há meses e nada! --- O mágico, com uma mistura de surpresa e deboche, riu do menino.

----- Calma, calma, sei que demoramos muito, mas temos muitas cidades para visitar; mas, não se preocupe, já, já poderá ver novamente muita magia!

----- Não, não quero ver, quero aprender! Quero ser um mágico e criar, fazer aparecer coisas como o senhor faz! Olha, já trouxe minha mochila; quando vamos partir?

Rindo mais agora que antes, o mágico olhou o menino da cabeça aos pés, perscrutando aquela criança tão segura e ansiosa por realizar seu sonho.

----- Olha, menino, sei que gosta do circo, eu mesmo, quando pequeno, quis ser mágico por causa do meu pai, que tinha um circo; mas já que tem família e casa, não queira ser um mágico, estude para ser algo melhor. Tenha uma profissão que não lhe obrigue a ser livre no mundo, a nao ter destino fixo, está bem?


----- Não! Vou com o senhor só para aprender magia, para fazer coisas aparecerem e, quando souber, vou voltar para viver com minha mãezinha e ela não precisará trabalhar para levar coisas para casa, porque eu farei aparecer tudo que precisamos - explicou Israel com convicção, deixando, dessa vez, o mágico sem respostas e com os olhos marejados de lágrimas e fixos naquele menino bonito e, sobretudo, de um coração bondoso e sonhador.


----- Minha criança, a magia que sei fazer é uma magia diferente, que não faz aparecer o que queremos, como comida, mas sim aparecer coisas sem importância, que divertem a alma e deixa uma pessoa feliz. O que quer, infelizmente, não poderei ensinar e nenhum outro mágico no mundo inteiro poderá. Sinto muito!



Israel, ao ouvir essas palavras encheu os olhos de lágrimas. Seu sonho, o sonho mais bonito que já teve na vida, não existia: era uma mentira! Com sua mochila velha, saiu correndo pelas ruas, enquanto o mágico lhe pedia que o esperasse; chegando na igreja chorou o quanto pôde e prometeu para si mesmo que nunca mais sonharia com nada nessa vida. Voltou para casa. Sua mãe o esperava com uma sopa rala, mas cheirosa, já na mesa. Naquele dia dormiu cedo, não sentiu frio e desejou nunca mais desejar nada.



Acordou com sua mãe o balançando, alegre e chorosa na beirada da cama.

---- Israel, acorde! Veja! Veja! Ao levantar-se e olhar para fora, viu uma grande máquina de formato estranho e quadrada  e diversos alimentos que, segundo sua mãe, poderia ser colocado na máquina para preparar comidas de todos os tipos, como batatas, pipocas e guloseimas.  

 ---- Veja, tem um bilhete para você, meu filho. Ao pegar o bilhete viu cores vermelhas e amarelas nele. Ao abrir, confetes caíram no chão, deixando o papel livre para palavras que seguiam:


"Cara criança, passamos a vida a sonhar, mas nem sempre esses sonhos tornam-se reais. O que não quer dizer que esse sonho é uma mentira, mas apenas uma forma de nossos corações aprenderam a amar e descobrir o mundo. Seu sonho não era uma mentira, pois existia alguém que guardava ele com toda esperança: você. Não deixe de sonhar! E também não deseje poucos sonhos. Sonhe o quanto puder. Sonhe o que quiser! Aconteça o que for no mundo, não deixe que ele destrua seu coração e suas esperanças. Sonhos são as melhores lembranças de uma vida! Junto com essa pequena carta, chegará para você o seu sonho, não como imaginava, mas provindo do primeiro sonho mais bonito que já ouvi.

   Não se esqueça: acredite!

ASS: Mágico Que Faz Coisas Aparecerem.


Israel não entendeu a carta, mas a achou bonita e alguma parte de seu coração se apaziguou com aquelas palavras. Nas semanas seguintes sua mãe lhe explicara que não iria trabalhar mais na casa dos Gonçalves, pois com aquela máquina, poderia ganhar seu sustento. Neste dia, Israel viu uma magia bonita acontecer. Ao chegar na igreja que tanto gostava, sua mãe e ele prepararam guloseimas e pipocas e venderam todas que tinham! No final do dia, um carro de cor vermelha e amarela deixava à cidade e, quando passou na frente da "Igreja das Graças", o mágico, muito sorridente, deu uma gargalhada gostosa enquanto jogava confetes sobre Israel e sua mãe.




Depois daquele dia, Israel aprendeu a fazer sua mágica, fazendo coisas aparecerem em casa através do dinheiro provindo do trabalho com aquela máquina estranha. Com comidas gostosas, cobertores grandes e uma parede nova, de tijolos, Israel e sua mãe viveram bem. Bem e felizes. O menino triste e magro que vivia escondido na igreja, aprendera que a magia mais viva e forte é aquela que vem do coração. Ele tornou-se um grande mágico (à sua maneira) e depois que conheceu o "Mágico Que Fazia Coisas Aparecerem", aprendeu que sonhos são as melhores experiências da vida e nunca mais parou de sonhar.