quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Valor Contemporâneo do Humano Produto.




A inovação e abrangência do mundo contemporâneo fez emergir a ideia de que nenhum sistema de segregação e opressão cultural ou social poderia voltar a determinar para sociedade as diversas proibições e prisões sociais do ter e do ser que, por diversos períodos, a humanidade enfrentou. A esperança de viver em uma realidade de discursos abertos, de independência, onde se faz e pensa o que se quer,  apresentou-se como luz aos homens modernos que acreditavam que nenhuma espécie de valor majoritário dominaria a sociedade. Um mundo que, teoricamente, seria livre para acionar qualquer desejo e realizá-lo sem impertinências alheias. Mas apesar de todos os frutos libertadores que a contemporaneidade propiciou (resultado de lutas passadas e de transformação social) os seres humanos ainda são subjugados e, pior, não percebem e, se percebem, preferem não depor contra esse sistema de formação de alienados. Os cidadãos afirmam serem livres e independentes, mas toda a sua força de trabalho é aplicada para produzir seu capital, que comumente é voltado para se impor no coletivo. Vence quem mais tem. A moda é o principal exemplo disso. A função de vestir-se é social e segundo os valores que criamos, moral. A ausência de roupas, na ideia de nossa razão, torna o indivíduo imoral  e vulgar, senão um louco que não é mais dono de si. Há exceções. Os índios, não se vestem, mais como desde os tempos mais remotos fora assim, a sociedade os define como unidades culturais, em que a rica cultura dos "primitivos" brasileiros deve ser considerada resultante de um comportamento cultural. Mas a moda, fora dessa realidade bonita e amoral de tribos e aldeias, surpreendentemente subjuga o homem e o faz sentir-se inferior ou superior de acordo com o que veste. Intrigantemente, na dita era da liberdade, somos ainda presos por conceitos impostos pela classe alta (uma minoria em relação a grande massa), sobre o que é bom ou ruim. Vestir roupas de grife e alta costura valora o homem de uma simples inferioridade social para alguém que deve ser respeitado, enaltecido e comentado no seu meio social. Consequentemente, o homem, que acha que vive plena liberdade, aplica toda a sua força de trabalho arduamente para reverter toda sua renda para conquistas materiais que proporcionam prazer mais para o coletivo do que para si, já que consome o que o outro define como qualidade para que possa ter status e as mais variáveis designações materiais.



Os seres humanos atualmente não são subjugados apenas por líderes e por uma política centralizadora. São subjugados, em absoluto, por seu complexo de inferioridade social e material. Nesse sentido, as roupas, aparelhos e produtos diversos tornam-se mais relevantes que a natureza humana, o ser humano. O valor de ser ser humano está se tornando gradativamente menor do que o valor de ter produtos humanos. O acúmulo define o valor humano e toda matéria cria novos padrões sociais de comportamento e aceitação social. Dessa forma, as pessoas tem sido tratadas sem qualquer valor humano quando não possuem uma estrutura material; perdem seu valor humano por não conhecerem estilistas, não terem capital para comprar uma indumentária de alta grife ou não realizarem todas as atividades da "classe alta". Nesse sentido, a pobreza e a falta de matéria são tratadas como uma anomalia social e defeito pessoal. A televisão explora a imagem do pobre, o ridiculariza como uma vergonha social. Na tv, qualquer programa humor usa como temática principal a "falta de noção do pobre de se vestir". Suas roupas são demonstradas como indevidas e espalhafatosas, mostrando o exemplo da ridicularidade de quem não sabe o que é marca, grifes... As piadas surgem associadas com o comportamento do pobre, o descuido físico proveniente da falta de dinheiro e os espectadores divertem-se com a inferiorização do outro. Na era da discussão e estudo sobre o "Bullying" nas escolas, o adulto pratica com sua faixa etária definindo com um belo momento de lazer. Não consideram o fato de que essas pessoas sofrem por serem considerados (pelo ignorante valores sociais) como "feios", "magrelos", "gordos", "sem cultura", "burros" e "banguelos"... É o produto que está valendo mais que seu autor: os homens.




O comtemporâneo trouxe a liberdade de escolha, de vida, mas os humanos ainda seguem as leis e as regras dos que definem que o importante é ter e acumular. Ocorre que atualmente a matéria, roupas e produtos diversos tem mais função do que facilitar a vida social. Ela criou seus próprios valores. Depois de tantas subjugações desumanas e incongruentes, vivemos na "Era das Ignoranças", em que as coisas  tem mais valor que a vida e se os cidadãos não compram tais coisas ou não as podem ter, são condenadas ao massacre e  mediocridade do status sociais, tratando gente como máquinas e agrupando o que é ser rico, pobre, da moda, da confecção e do que pode ser respeitado e do que pode ser inferiorizado. É a humanidade segregada não por um, mas pela coletiva pobreza racional dos seres humanos sempre querendo superar o outro, o mundo e determinando um padrão social baseado no valor (excedente) do homem de posses materiais e do valor (pequeno) do homem sem posses materiais. É a nova sociedade formada de homens que valorizam tanto a matéria, que tornaram-se produtos dela, verdadeiros humanos produtos.





quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um Tempo Remoto. Um Tempo Passado.



Houve um tempo que toda minha atmosfera era leve e minhas alegrias uma litosfera rígida, altamente sólida. O riso era tão fácil, chorar curava tudo e quando qualquer desgosto chegava sempre me abria para um abraço. Um tempo que era bonito demais, que eu corria por toda a rua, brincava só com o vento e escondia-me nas árvores, vencendo o medo de alcançar os galhos mais altos. Nesse tempo escrevia com o coração, dando irrelevância a ortografia e narrando palavras que cancionavam os sentimentos que pediam para sair da alma. Tempo em que as tardes eram longas e a gastava realizando competições com outras criaturas risonhas - podendo ser gente ou não. Um tempo que acreditava nas pessoas e as amava sem impor barreiras, suplicando para agrupar o máximo de humanos para meu lazer e minha necessidade infantil: a alegria. Um tempo. Tempo que não sabia o que era defeitos e não os via nos meus amores, na minha gente. Tempo em que abraçava meus convivas e não criticava qualquer erro, qualquer pecado, não os vendo como alma aprendente, mas como gente que me amava, me cuidava, mesmo carregando suas mazelas. Nesse tempo não me importava com os títulos e com as precisões de ser um bicho social: bastava-me as árvores, um dia sem chuva e um bicicleta veloz para descobrir novos caminhos. Tempo que meu corpo e alma pedia a arte e exigia que materializa-se


no palco, nas folhas, na vida.


Houve um tempo. Aquele tempo. Tudo límpido, uma candura sem fim, uma amor sem igual, que não sabia  a semântica do preconceito e do julgamento... tempos remotos, tempos passados, que guardo dentro de mim e tento deixar  renascer nesse tempo de seca, onde meu choro não mais me cura, não sei dar mais abraço e não sei qual é a estrada do amor. Nesse tempo de agora, que não deixa retornar o outrora e me faz não perdoar o defeito dos meus. Meu tempo de ceticismo, onde não há mais atmosfera, só uma litosfera que enrijeceu por demais e impôs que me fizesse infiltrável. Ah! um tempo tão lindo! que podia voar, gargalhar e só desejava ser um belo riso. Houve esse tempo e, nas reminiscências de minha rotação,  lembro-me dele, alegre, dando adeus pra mim e gritando que ele é meu, mas não volta mais pra mim.




segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O Curso do Rio.



A vida é um rio, um rio longo e infinito. Cada molécula de água são as diversas e amplas experiências que o rio acumula durante seu curso, as largas margens são as limitações: as limitações de todo o ser. Toda vida do rio baseia-se nos sentimentos, os sentimentos que o rio conquista ao entrar em conexão com o outro. Há sentimentos raivosos, que brigam para sair do rio, machucando suas margens, há sentimentos puros, que querem deixar a água cristalina, límpida e generosa para o visitante nadar ou deslumbrar-se com a pintura mais linda feita pela natureza. O curso do rio é sua estrada. Estrada de pedras, de terreno plano e medidas disformes. Quando o rio encontra uma pedra, não gosta dela; ela atrapalha seu curso, não se move do lugar. Desde o início as pedras deixam claro ao rio: nao sou eu que vou mudar, a mudança será feita por você; a mudança é você. E então o rio briga por seu caminho, passa por cima da pedra, a molha sem cessar. A pedra ganha sua água e o rio aprende com sua pedra. Uma simbiose que auxilia o rio a modificar-se. Há tempos em que o rio só encontra solo desejoso, uma calmaria silenciosa e um sol perfeito para lhe iluminar. Mas o rio é vida aprendente, tem inúmeras tempestades a lhe maltratar, suas águas ficam constantemente inquietas, o seu eu busca a quietude e não suporta seu volume, seus sentimentos e todo aquele pesar. A calmaria mostra um átomo do que seja a paz e a tempestade mostra que o rio ainda tem que a ganhar. O rio não é paz. O rio não tem paz. Seu curso ainda será longo e infinito, combatendo suas margens e aprendendo com suas tempestades para que um dia, o rio não encontre mais pedras, nem dias de fúria para se queixar. Então o rio não terá mais margens, não conhecerá mais pedras: já aprendera com todas as barreiras apresentadas, já aniquilou seus sentimentos raivosos. A vida continuará ser longa e infinita e mesmo que por fora de suas margens reine o volume e a desordem, ela é límpida, luz no universo, não tendo mais parâmetro para igualar. Será só uma luz, luz a iluminar os rios que ainda estão cheios de pedras; rios que não aprenderam com o curso do rio: o mestre rio que nos prepara para a liberdade verdadeira, que tem como norteadora a paz incomparável da conquista da sabedoria livre, eterna e reflexiva do viver, amar e da liberdade plena dos que já cumpriram o curso do caminho, o curso do rio.




O Chinelo de Chinelo.



Era verão e o sol estava queimando, Chinelo, um menino magro como uma vara e esperto mais do que muita gente grande, andava nas ruas procurando qualquer ocupação e esperando uma comida "aparecer". Pela manhã já havia percorrido todo o comércio, mas a "tia" não tinha jogado comida fora ainda, então, o jeito era pedir ou esperar o vacilo de alguém "É, isso que vou fazer". No caminho encontrou Gorila e Raimundo, os meninos que tinham fugido da "Casa de Abrigo". Lá tinha cama, comida, mas não gostavam das ordens e nem das surras que levavam. Eles sempre diziam "Lá tem gente ruim, Chinelo, bom mesmo é a liberdade da rua. Se seu pai não te quis, você não tem que ser de ninguém". Chinelo pensava nisso: você não tem que ser de ninguém, bonito isso. Mas, e se alguém me quisesse? Pelo menos, não ia viver sem chinelo. Ao lembrar-se disso olhou de novo para o chão, seu pé já tava rachado, as bordas sangrando e tinha umas manchas esquisitas na pele. "Ah! Se tivesse meu chinelo. Mas não tem jeito, não! Os muleque me tira toda vez".  Só era  colocar chinelo nos pés, que os meninos corriam atrás dele; desde pequeno era assim, começou depois que Chinelo disse que não gostava de ficar descalço, pois doía o pé. Burrice. Ouvia por todo lado "O muleque gosta de chinelo, só falta agora querer ter casa" debochavam, eles. Tudo era tão ruim: ficar sem cama, coberta e comida, mas sem chinelo, ah, sem chinelo era pior! doía correr, a pista sempre tava quente...vida maldita!




O sol continuava quente e o dia tava fraco, não tinha comida em nehuma parte. "será que a tia já abriu o "Dog"? ". Chinelo ia nas beiradas, o chão tava mais quente do que pela manhã. "Que diabo!" Quando chegou no "Dog", olhou pra vê se a tia tava sozinha; era uma velhinha magra que tinha pena dele e um certo agradecimento por ele não ser maldoso com ela  (como eram  os outros meninos). Todo dia ela separava um pão pra Chinelo e o "trato" era ele não contar pra ninguém, assim, não tinha que dar para os outros. O pão era tão gostoso e o molho umedecia todas as partes (já que a tia só podia dar o pão que não foi vendido da semana). Dava uma vontade de pedir mais, mas a tia tinha sido categórica: só um. Que importa, a dor na barriga passou, oras, " Do que preciso mais?". E, se tiver sorte, arrumo até o fim da noite qualquer punhado. Antes de ir embora a tia deu uma sacola pra Chinelo. Era um chinelo velho que seu neto jogara fora. "Vai ficar só um pouco maior, Chinelo, mas cabe no pé" Quanta alegria! Depois de cinco meses, mais um chinelo! E esse era legal, tinha um monstro com espada desenhado nele. Chinelo correu com vontade, o chão nem tava mais quente. "Do que preciso mais?" ria ele, com prazer, por todo lado. Quando anoiteceu, tirou o chinelo escondido e colocou debaixo da cabeça "quero vê tirar de mim". Naquela noite, Chinelo dormiu debaixo do telhado do "Mercado Central" e ficou pensando no seu novo chinelo e rindo de felicidade; sonhou que estava correndo veloz pelas ruas, com seu chinelo, desenhado de espadas. Seu coração estava tão quente e olhava sempre para o seus pés. Lembrou do que Gigante tinha lhe falado e sentia que "com meu chinelo sou livre, não sou de ninguém".




A Política Mistificada do Brasil.





Mais uma vez o grande ciclo político é concluído, finalizando a gestão de vários políticos que colocam o cargo que ocuparam temporariamente (eleitos pelo povo), à disposição para que novos eleitos, que farão parte da nova cúpula do Poder Executivo, executem suas atividades e os programas sociais apresentados e determinados pela população como eficientes para as dificuldades encontradas em todos os municípios, Estados e país. Novos candidatos (nem sempre) e apresentação de seus  projetos e objetivos no governo são demonstrados à todos que acompanham as mídias sociais e buscam sanar suas dúvidas sobre por qual membro ou partido escolher. Com o surgimento da democracia, defendida pelo filósofo Péricles na antiguidade, baseado no princípio da isonomia:  todos são iguais perante a lei,  a integração e  participação do povo na escolha de seu governo e governantes tornou-se um meio justo e igualitário de decisões que afetam toda a coletividade. Por isso,  temos o voto como uma ferramenta de poder para valer os direitos e deveres de forma individual e coletiva. O dever de votar está relacionado com o direito que o cidadão tem enquanto ser social e cultural, optando por aquele que, em sua crença, poderá gerir com inteligência os variados impostos destinados para administração pública. Nesse processo curto, de escolha de candidatos, o político vende seus ideais, seus desejos e o povo compra o material que melhor lhe apresenta (ou representa). A barganha, é de extremo valor entre muitos candidatos e eleitores. Os homens, apesar de conhecerem e enaltecerem a democracia, são frutos irrefutáveis do sistema capitalista, por isso, suas escolhas, em maioria, estão baseadas no ganho oferecido pelo sistema de votação. Nesse sentido, cada cidadão busca a política idealizada como correta e necessária ao crescimento social, mas também a política que auxiliará seu pequeno sistema individual. O cidadão estudado, com ampla  oportunidade de trabalho e remuneração, estável em todas atividades que regem sua vida, define a política de forma científica, compreende os mecanismos de gestão pública e tem visão aguçada e precisa sobre a política e políticos. Já o homem pobre enxerga o político como o "fazedor de favores"; ao seu ver o político é um homem bom e caridoso que concede emprego, que disponibiliza remédios e alimentos, e meios para atenuar a pobreza e privações da classe baixa. O pobre, direcionado pela sua pouca instrução técnica e manipulados por políticos corruptos, conceitua o político como um Deus que presta caridade e não como um gestor dos inúmeros impostos que eles pagam para o governo.








A grande massa da sociedade endeusa o político, o valorando como o homem bom, que presta auxílio ao coletivo. No mundo contemporâneo o político não é um admistrador do Estado: ele é um Deus. O cidadão não reflete sobre o fato que o político deve ser (e é) um trabalhador comum, que tem como tarefa administrar o dinheiro provindo do contribuinte e de acordo com o bem comum, trabalhar em prol do desenvolvimento de todas as áreas sociais. Os adornos mesquinhos e vaidosos que são atribuídos aos políticos devem ser aniquilados para retirar a venda que a tirania e a centralização do poder colocou nos olhos de muitos cidadãos. Os candidatos, se aproveitam como parasitas das carências sociais e emocionais dos homens, reforçando a imagem de salvadores  e, quando palestram sobre suas táticas de governo, destricham amorosidade, ideias futuristas e humanistas. Constroem sua política na base do desrespeito com seus concorrentes, mostrando desde o início, que se for preciso alcançar sua meta  desrespeitando e agredindo o concorrente, fará sem nehum pudor. O que será, então, que esse mesmo indivíduo não fará posteriormente com toda a sociedade quando ela representar um antagonista de suas buscas? Na busca desenfreada pelo poder, os vídeos, slogans e visitas usados por cada partido têm sempre um ar maternal. Dilma é uma mulher forte, guerreira, que passou por dificuldades e quer ter uma chance de fazer o bem para o Brasil. Apoiada pelo Lula, o cidadão já compreendeu que escolhê-la é ter a certeza da extensão do governo de Luís Inácio. Ela vende a imagem de uma mulher para a presidência, mas uma mulher forte, que poderia alcançar como um homem (como se o sexo feminino não tivesse nenhum talento, inteligência e credibilidade para a administração pública) pontos positivos para o Brasil. Marina Silva é a "guerreira da selva". Votar nela é optar por uma mulher que já foi Ministra do Meio Ambiente, que luta e preserva a fauna e flora, o meio ambiente. Ela se ampara na consciência ambiental para conseguir seus eleitores. Serra é o Tucano (PSDB), do partido que gente elitista gosta, sendo eles os mais reacionários. Serra, em sua campanha, deixa claro que foi menino sofrido (talvez, querendo ganhar a mesma força do Lula), que estudou com dificuldades financeiras e criou a medicação genérica como forma de viabilizar saúde pública para o povo. É o homem que tenta chegar ao sentimento do pobre (como todos os demais candidatos), que penalizado com uma pessoa que são como eles, sofreu, passou fome, mas superou. Em sua campanha deixa extremamente claro que auxilia os dependentes químicos, criando para os mesmos institutos de recuperação. Todos o definem como caridoso - atitude padrão de todo político. Ocorre que todo político utiliza-se das contribuições do povo para administrar e gerir uma sociedade, mas poderia isso ser definido como altruísmo? Recompensado por votos? Um governo que utiliza os impostos do povo para criar um sistema de saúde eficaz, educação de qualidade e oportunidades de crescimento material, é caridoso? Se toda administração pública é impulsionada pela contribuição financeira do povo, por que definir o político como Deus ou "fazedor de favores"?






Os candidatos criam circunstâncias que atingem emocionalmente os cidadãos. Tudo que ataque as necessidades do homem, constroem o poder do candidato. É sumamente relevante abraçar o pobre, fazer carinho no idoso, beijar a criança desnutrida, visitar escolas públicas e apalpar a mão dos adolescentes e mostrar, mostrar, para que todos memorizem, que ele pode gerir o Brasil. O que também é extremamente valorizado, é vestir-se de um personagem, que irá caracterizar o futuro governante. Por isso, comumente conhecemos antes dos próprios projetos do político termos como: sou o pastor ou eclesiástico tal (apelo religioso que certamente leva os fiéis da igreja votarem), sou o professor tal (apelo educacional, busca a camaradagem dos estudantes e quem acredita na relevância da Educação), sou médico (apelo saúde, estudei para ajudar o próximo)... e assim, os personagens variam, empobrecendo o objetivo maior da política: gestão, direito e cidadania para todos. Dentro das campanhas há, também, o gasto abundante de papéis, sujando as ruas, denegrindo a natureza, usando o material retirado de árvores de forma vulgar e supérflua para divulgar o número do candidato (como se não pudéssemos anotar perante o monólogo da tv).







O homem, que acredita estar vivendo na "democracia", não percebe que vive, como disse Nietzsche, numa sociedade de rebanho, onde é orientado para onde o pastor quer. O voto é obrigatório, mas candidatos sensatos, preparados e estudados não é uma obrigatoriedade, de forma que vemos vereadores (que podem candidatar-se com 18 anos) sem o mínimo conhecimento de sociologia e gestão pública. O político deveria ser, antes de qualque fato, um cidadão esclarecido sobre todos os temas básicos que fundamentam nossa vida em sociedade, visto que seu ofício visa organizar com eficácia e saber o sistema público. Obter notoriedade por se religioso, pai de família, médico, não deveria representar absolutamente nada para os eleitores, afinal, o objetivo não é buscar perfis sociais, mas gestores éticos. Não teremos uma realidade política honesta e equilibrada enquanto não mudarmos nossa educação social sobre o que seja política e político (trabalhador comum), enquanto ainda elegermos políticos que favorecem apenas a realidade do indivíduo, mas não do coletivo. A sociedade é o resultado do comportamento do  coletivo e, quando aprimorar sua educação política e social para atuar no processo de escolha de candidatos como cidadãos coerentes, éticos e imparciais, o sistema de candidatura não será mais esse circo de piadas, sem real propósito, que ludibria os cidadãos e os impedem de escolher racionalmente e eticamente o futuro da sociedade. Portanto, se faz necessário uma nova educação do que seja política, não só mudando os objetivos dos elegidos, mas modificando a busca dos eleitores.






Lula, o Filho do Brasil.






Luiz Inácio Lula da Silva, nosso famoso presidente Lula, carrega em sua história de vida fortes experiências que o singulariza não só como político, mas também como indivíduo. Nascido no interior do nordeste, vivenciou, como tantos outros nordestinos, uma infância pobre, escassa, de perecimentos e privações, tendo, ainda menino, abandonado sua terra natal junto de sua mãe e irmãos para viver no Estado de São Paulo. Como a maioria dos retirantes, trabalhou em ofícios de baixa renda, prestando serviços que exigem do homem força de trabalho em excesso para realização da tarefa a cumprir. Na grande São Paulo foi empregado como metalúrgico e conheceu a realidade de tal ofício, experimentando todas as dificuldades proporcionadas por ser do proletariado (massa que domina e move o país). Envolvido por seu ofício e reivindicador (como tantos outros) de melhores condições de trabalho, Lula iniciou  - mesmo sem perceber - sua carreira política. Ora, não há como separar a luta pela aplicação de uma modelo de relação trabalhista justo e correto com a política exercida por uma nação. Lula, decerto, percebeu  que justiça ou a falta dela  é consequência da política desenvolvida em cada município, Estado e país. Já tivemos outros presidentes, mas creio que nenhum teve uma história tão penetrante e forte quanto a do Lula, a ponto de resultar em certa popularidade e coleguismo do mesmo com os brasileiros e como ter sua história de vida transformada em livro e roterizada para o filme "Lula, o Filho do Brasil". O filme narra toda a trajetória de sua família, retirantes buscando em São Paulo oportunidade não só de mera melhoria, mas, como tantos outros retirantes brasileiros, esperançosos de não morrerem na seca, de fome. O filme explana a forte história de Lula, aliás, sobre Lula e D. Lindu, mãe forte e dedicada. D. Lindu era mulher simples, sem letramento ou qualquer tipo de afetação, que nutria o único sonho de fazer seus filhos pessoas de bem, honestas e trabalhadoras. A figura e história desse homem, Luiz Inácio, me impressiona. Não estou aqui para dissertar sobre a formação do seu partido, ou se seu governo foi positivo ou negativo, pois as divergências serão variadas. Há pessoas que santificam seu governo e há pessoas que o qualificam como pior gestão feita em solo brasileiro. Mas, o fato, é que esse homem fez história. Quando nossos filhos e netos estudarem História, com certeza estará lá, nas páginas dos livros, como documentos irrefutáveis, que existiu um homem de infância muito pobre, marginalizado pelo seu meio, trabalhador insatisfeito, que decidiu usar sua voz para exigir que trabalhadores fossem respeitados, que tivessem oportunidades e melhorias no âmbito do Direito do Trabalho. Um homem que de tanto usar sua voz e fortalecer sua ideia política, foi eleito Presidente do Brasil. Se ele foi um político ideal ou não é uma definição de cada mente, que faz seus conceitos e opiniões; mas é inegável que ele foi, um divisor de de ideias na política do Brasil. Digo isso pelo simples fato de uma nação aceitar como líder político um homem visto como do povo, sem status, domínio de idiomas e vasta informação técnica. Isso prova que os cidadãos estão em busca de uma nova organização social: de respeito, igualdade e distribuição justa para coletividade. Quando os cidadãos resolveram votar nesse homem o fizeram por ver na sua frente (como disse D. Lindu) um homem que teimou e lutou por seus ideais. Um homem que falou de direitos e deveres para os homens, seja estes de classe alta ou baixa. A busca por uma realidade democrática, igualitária, casou-se com a figura de um homem que (diferente de outros políticos) sabe o que é passar fome, sabe o que é ter salário mínimo, sabe o que é não ter direitos trabalhistas efetivados e sabe o que é, sobretudo, ser pobre. Lula é história, independente de opiniões contrárias. Ele foi um desses cidadãos capazes de transcender uma realidade e lutar por melhorias. Admiro muito esse homem. Se o admiro como político ou não, não vem ao caso, mas o homem retirante, filho de D. Lindu, que teimou contra tudo e todos e em 2003, depois de muito tombar e levantar, chegou a Brasília, assumiu a Presidência da República e teve sua história documentada nos livros, no filme e na mente de cada brasileiro, esse Lula eu ouço e vejo como um homem que escreveu com suas mãos, uma história sólida e transformadora para realidade brasileira. Uma história do povo e para o povo.



Lula, O Filho do Brasil e Vidas Secas


O filme "Lula, O Filho do Brasil" foi dirigido por Fábio Barreto e trás de forma condensada toda a história de Lula e sua família.  A vida de sua mãe, irmãos, seu primeiro contato com o trabalho e sua iniciação na política. O objetivo do filme foi demonstrar o Lula, sem grandes epopéias, embora tenha sido difícil. O livro que narra toda a sua história foi escrito pela jornalista Denise Paraná e o defino como interessante e pertinente, já que fizemos parte dessa história. No decorrer do filme, lembrei-me de uma das narrativas mais emocionantes que li: "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. O livro narra a história de uma família de retirantes: Sinha Vitória, Fabiano, menino mais velho, menino mais novo e a cachorra Baleia. Eles partem do nordeste fugindo da seca que mata os bichos, as plantas, os homens, à vida. Uma seca forte que seca o coração, não trás nem lágrimas, pois o sofrimento já é maior que orgânico e subtrai a alma, a reduzindo a um só sentimento: sofrimento. Em sua trajetória lidam com a vergonha, a retidão, a desgraça e a fome; a fome que dói a barriga, que faz o bicho homem odiar o mundo. "Vidas Secas" é obra-prima, pois fala do real, de um povo brasileiro esquecido, marginalizado, que sofre nas margens do continente e que tenta gritar pra pedir ajuda a uma sociedade que vive de forma excedente, superficial, que contribui para a fome dos miseráveis, fortalecendo diariamente a pobreza e as mazelas da sociedade.





sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Chico Xavier: Amor, Luz e Caridade.




Ele nasceu em solo mineiro, numa cidade hospitaleira de gente tranqüila e fé irrevogável. O pequeno município chamava-se Pedro Leopoldo e abrigava uma população miúda, crente em sua religiosidade e fervorosos em seus conceitos. O pequeno homem  nasceu (sem saber o porquê) já grande, diferente dos outros, capacitado a ouvir e ver coisas que eram incomuns no seu meio. Ele chamava-se Francisco, mas todos os conheciam como Chico, o Chico Xavier. Chico era "menino estranho", que via gente do "outro mundo", conversava com os mortos e escrevia o que eles lhe narravam. E, como é de costume, um ser que tem tantos mecanismos adversos, só poderia mesmo ser punido e marginalizado, afinal, mexer com a moral social e diferenciar-se do seu grupo, aterroriza e abala toda a instituição sociedade. Mas o menino Chico cresceu e amparado por amigos encarnados e desencarnados, compreendeu sua condição e descobriu-se não um pecador, mas um médium. Era a tal da mediunidade, que é a capacidade de comunicar-se com os que não estão mais na matéria, que permitia que o jovem visse e ouvisse o que os que estavam ao seu redor nem sequer captavam ou, se captavam, sentiam em menor proporção. Chico ganhou entendimento e auxiliado por Emanuel (seu mentor espiritual) pôde dar um presente à humanidade: educação moral e esclarecimento espiritual. Seu trabalho não foi somente divulgar e explicar a doutrina espírita (que é cristã, espiritualista e caridosa) mais foi, sobretudo, trabalhar em favor dos necessitados; dos necessitados de amor e educação espiritual, para conduzir os seres para renovação e evolução.



Seu trabalho percorreu várias vertentes, como psicografias, escrevendo cartas para famílias desoladas que buscavam explicação para a morte, a separação do corpo físico de um ente querido, livros  - que nos ensina e preenche de luz e entendimento na caminhada difícil que nós, seres errantes, temos que percorrer, apóio e explanação para todos os seus irmãos que enfrentam as mais profundas misérias físicas e espirituais e, também, participou do programa da Rede Tupi, "Pinga -Fogo", local em que respondia indagações sobre a vida, morte e espiritualidade e divulgava o amor, caridade e entendimento do porquê da vida. Chico, o "menino estranho", que nasceu em 1910, desencarnou em 2002, com seus  92 anos vividos para o amor e caridade. Chico foi espírita, foi cristão, amigo, trabalhador, foi um homem que se silenciou perante as críticas, amou aquele que ainda não tinha condições de entender a grandiosidade do seu trabalho, que teve paciência diante dos que lhe nutriam aversão, que respondia com delicadeza quando o escárnio e a ridicularização insistia em lhe maltratar, amou todos os seres humanos, seus irmãos (filhos de um único pai, Deus); Chico foi luz na escuridão, pés fortes e sábios durante os imensos trajetos; Chico foi mais que religião - que é a base que ainda necessitamos ter para compreender o amor e respeito  - , foi mais que um amigo caridoso e companheiro, Chico foi, na verdade, um homem que já sabia amar e se doar, já sabia como exercer o ensinamento do nosso mestre: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Chico não era muito carne, não era só espírito, era uma luz gradual que irradiava amor; um amor sem medidas, que iluminava tudo e todos; foi fonte de luz que iluminou os caminhos vacilantes que adotamos iludidos pelo orgulho, esgoísmo e vaidade, fornecendo ensinamentos claros e lúcidos para retificação de nossa moral e início da esperada "Reforma íntima", que salvará o espírito imaturo do desamor e sofrimento, lhe conduzindo para a verdadeira felicidade, luz, paz e evolução. Para o caminho grandioso dos planos de Deus.






Sebastião Nicomedes: O Poeta das Ruas.


Sebastião Nicomedes tem quarenta e dois anos, nasceu em Assis, no interior de São Paulo e é poeta e escritor. Tais dados referem-se a um homem comum que aparentemente apaixonado pelas belas-letras, enveredou-se no mundo da escrita e literatura. Sua história poderia certamente passar despercebida (e de certa forma é) pela grande mídia, se não fosse por um fato surpreendente: ele é ex-morador de rua. Sebastião, ainda menino, perdeu seus pais e seus estudos não continuaram da forma congruente, não concluindo nem o Ensino Fundamental. No seu currículo escolar está documentada sua participação na escola pública somente até a oitava série. Posteriormente, morou temporariamente com uma irmã; quando alcançou a maioridade mudou-se para São Paulo, onde realizou trabalhos de diversas naturezas como pedreiro, churrasqueiro e letreiro; neste último sofreu um acidente e tornou-se  morador de rua, pois tal evento o deixou sem estabilidade financeira para suprir suas necessidades básicas e para realizar outro ofício. Como desde a meninice apreciou  poesias, foi incentivado por um amigo (também morador de rua) a escrever sobre os seus sentimentos em relação à vida e  as condições de um  morador de rua e como, no mais íntimo de sua alma, se sente ao viver em tal circunstância. Suas impressões, escritos foram transformados em  livros e publicados. A obra "O Homem sem País", "Diário de um Carroceiro", "Vôo dos Pardais" e "Cátia, Simone e outras Marvadas" é um pedaço desse homem de pequenas e grandes tragédias, que já sentiu fome, frio, preconceito e mazelas durante sua trajetória de vida.




O que é deveras impressionante nessa história é a reação da maioria das pessoas ao conhecer esse homem. Um morador de rua, que escreve e é inteligente? Uma indagação tola e preconceituosa, no mínimo. Na visão de uma sociedade hipócrita, imatura e vaidosa, um morador de rua deveria ser marginal ou pedinte, o negro um bandido e o pobre um ser sem cultura e conhecimento que jamais poderá alcançar  intelectualidade e uma vida material sucedida. Todos os seres tem a mesma capacidade racional e emocional, mas são as oportunidades, educação, cultura e moral  que encaminham o homem para diferentes níveis de condição intelectual e moral. Portanto, ver esse homem e sua minimalista obra publicada não é uma surpresa, é a a certeza de que a educação, oportunidade e igualdade social são ferramentas para evolução social. Só através dessas três vias é que o homem (imbuído de involuções e preconceitos) não irá mais segregar sua espécie, categorizando gente por uma posição social e conceituando valores pela quantidade de matéria que um  indivíduo possui. Como disse Sebastião "Um morador de rua é gente. Não feche o vidro do carro ao passar por ele. Ele só quer paz". O senhor Nicomedes é o exemplo vivo de que todos os homens (sejam de que condições forem) devem ser respeitados como gente, ter oportunidades iguais e ter dignidade de vida física e emocional para se desenvolverem na sociedade. Seu Sebastião é um exemplo de uma pessoa que lutou contra as barreiras do desrespeito e falta de oportunidade, mas não curvou-se perante a desolação da exclusão social, demonstrando através de sua escrita e obra que é possível mudar uma realidade e extrair dela sabedoria para vida e força para contrariar as negações que insistem em perseguir os homens. Um notório e belo exemplo de superação pessoal e  profissional, mas, sobretudo, social.


Fez tudo igual seu herói
Pedreiro na cidade grande
Dinheiro pra casa pelo correio
Distância do filho querido
Saudades da mulher amada



São Paulo lugar de gente louca
Toda noite, todo dia
Noticias na televisão
Dolar em alta, dolar em baixa
Bolsa cai, bolsa que sobe


Cimento subiu bem mais alto
Que edifícios erguidos
Clientela inadimplente,
Todo mundo despedido
Foi a firma que faliu


Morando sempre em obras
Desde que saiu de casa
Perdido na selva de pedras
O menino espelhado do pai
Desamprendeu a viver





Em volta do mercadão
Sacia fome de dia
Catando frutas caidas
A noite espera sopa
Maldito, vadio, mendigo


O tempo passou tão depressa
Vestes em sacos de lixo
Colher de pau na mão
Ao marco zero da Sé
O então pedreiro indigente
Constrói paredes ao vento.

Sebastião Nicomedes





"Eu ando com a bandeira do Brasil, para representar um Brasil desconhecido pela maioria das pessoas, para que elas possam olhar mais pra ele". Tião Nicomedes.









Rua: O Ensino da Marginalidade.


O menino era pequeno, magro, com os pés rachados e um olhar grande demais para o seu rosto. Ele corria pela rua central pedindo para quem encontrasse, um pedaço de papel que nem sabia contar. Ele estendia suas mãozinhas sujas e implorava, com os olhos lacrimejando, para comer. Cada um oferecia o que tinha. Uns, davam o pedaço de papel que chamava-se dinheiro, outros um olhar impaciente, alguns a raiva de acreditar que o menino "pidão", poderia muito bem labutar como eles. Outros, ofereciam a tristeza de ver pequena criatura tão desolada e muitos, muitos eram indiferentes. Aquela indiferença (embora o menino ainda não soubesse) iria marca para sempre sua vida. A indiferença seria sua mãe na vida, a educadora que encaminharia aquele pequeno pelo resto dos seus dias. A rua seria sua escola, e lá, aprenderia tudo que necessita para viver. No português das ruas ele iria entender que pedir, gritar e ameaçar é a linguagem precisa para realizar seus desejos. Na sua matemática, logo perceberia que só poderia somar, se tirar o que é do outro, pela geografia iria entender que casa é um espaço geográfico para poucos. Sua sociologia seria bem exata; elucidando-o de que um homem pobre é diferente, na Terra, do homem de posses. Na química das ruas, conhecerá substâncias nocivas, que não sabe o que é, mas sempre tira a fome e a revolta, presenteando o corpo com uma pseudo-alegria, já que não tem amor e cuidados. Nas ruas, o menino pequeno, se tornará um homem grande e também fará sua graduação; pegando o diploma da miséria e da corrupção de uma alma que foi treinada para mentir, gritar, roubar e agredir por toda uma geração. Quando o menino de olhos grandes já estiver graduado, irá executar o que lhe foi ensinado, querendo presentear os outros, somente com o que aprendeu: ódio, rancor e desamor. O menino não será letrado, mas a alfabetização da marginalidade ele carregará debaixo do braço, expandindo seus conhecimentos por onde passar. E, quando estiver adulto, aqueles olhares de indiferença, que tanto o olharam quando pequeno, vão sentir medo daquele bicho formado e o colocarão em grades fortes, feitas por homens de leis e saberes, que estudaram nas escolas reais, mas não sabem o que é as escolas das ruas. Aquela criatura magra, de mãos pedintes e pés rachados, só ganhou mais células, mas continua sendo o menino de olhos grandes e perdidos, com medo de ficar sozinho nas ruas, de sentir fome e desproteção, com medo, muito medo de alguém não lhe estender a mão.



Os Mortos de Letícia


Ela estava impenetrável. Sempre foi assim. E, naquele momento, por mais tenebroso e triste parecesse ser para todos, para ela, somente era mais um sofrimento, mais um machucado que a vida insistia em lhe oferecer. Não podia produzir lágrimas, desde os dez anos não sabia se as tinha. Quando sua mãe faleceu, viu que a vida poderia ser mais difícil que imaginava. Aquele homem a tinha tirado à força de casa, não esperando que enterrasse sua morta, sua mãe. Depois, aquele lugar sombrio e frio, que tinha somente um lençol para os dias tristes e longos do inverno. Seu tio a matou aos poucos, imcubindo-lhe desde cedo a cuidar e realizar todas as tarefas domésticas e, ainda, ser exemplar na escola "Se não, o tal do governo imprica comigo. Como se eu não fizesse muito por uma órfã" Quando dizia isso, uma gosma nojenta saía da sua boca e podia sentir o cheiro do álcool de longe, como se o hálito do ignóbil homem estivesse encostando nos seus lábios. Depois de anos solitários e rodeados por um pânico terrível (que ocorria principalmente à noite, quando Elizeu chegava do mercado e deitava-se com ela, violando seu corpo), Letícia sabia que nunca seria feliz. Aliás, leu uma vez uma frase um tanto verdadeira em um jornal da escola. Era de uma atriz famosa chamada Marilyn Monroe. Ela dizia "Se não foi uma criança feliz, jamais será um adulto feliz". Bem, talvez, fosse verdade, afinal, não sabia o sentido prático, real da palavra felicidade. Depois do tio, veio Ricardo, uma aparente válvula de escape. Parecia ser um homem bom, honesto e apaixonado, um caminho perfeito para sair da casa do tio e encontrar a paz. Ledo engano, mostrou a vida. Quantas traições, concubinas do marido, filhos fora do casamento; quantas brigas e humilhações! E agora estava ali, sem chão, sem nada, enterrando pela quinta vez um dos seus. Por que não eu? Perguntava aflita para o céu, ao acaso, pois não acreditava em nenhuma força milagrosa e criadora no universo. Como poderia existir um criador, que permite o sofrimento de sua criação? Enterrar sua mãe, seu marido e agora seu último filho, não parecia ser sinônimo de uma vida feliz.


Tudo que ela conseguia pensar era no seu morto, naquele corpo frio e fétido que estava na sua frente. Sua barriga estava vazia, inchada, seus braços paralisados, mas todos os vizinhos queriam abraçá-la. Ela cedia. Deixava que todos lamentassem de pena, a olhando como se o mundo tivesse, por aquele único dia, não realizado a rotação para chegar à noite. No enterro, o sacrifício final. A certeza que a carne não existia mais. Que a companhia física estará só nas reminiscências vivas de sua alma. Depois, a volta para casa, a cama que ainda estava desfeita desde a manhã e a sua fiel companheira: solidão, que não a deixava, que a obsediava e exigia atenção. Amanhã será um novo dia. Trabalhará na "Avenida Buena" e novamente ganhará 15 reais para limpar a casa dos Ferreira, cozinhar e cuidar de seus filhos. Com o dinheiro comprará arroz e feijão, e uma goiabada, se restar. E assim, seus dias passarão rápido. Rápido o suficiente para dormir pouco, receber pouco e amar pouco. Lenta será sua dor e solidão, aguardando o dia de sua partida e ansiando por deixar um corpo que só lhe mostrou sofrimento, doenças e uma dor profunda no coração; roubando-a de qualquer tipo de afeição e impondo-lhe a partida dos seus mortos.



Eu Queria Ser Um Rio.



Eu queria ser um rio. Um rio infinito e claro, com a água levemente quente e as margens móveis, que se alargam quando querem conhecer o novo, o inédito. Um rio que não tem destino certo, que se entrega ao mar e encontra o imenso oceano azul de belezas e possibilidades. Minha água seria fluida e mágica, gostando de estender-se como nômade e banhar todas as flores que morassem ao meu redor. Então, regando minhas flores, eu conheceria os pássaros - de todas as espécies - que me visitariam para extrair seu doce e manutenção. Minhas flores e meus pássaros cresceriam sobre minha margem e os veria mergulhar na minha água; sem medo ou pudor. Ele bateria suas asas ao longo da minha água e as flores, que tanto alimentei, cairiam sobre mim quando morressem e eu as conduziria até uma bela cachoeira, para ela boiar e sentir o céu azul, com fragmentos de sol, viajando por toda hidrosfera. O meu rio veria todos os minerais, descobriria belezas do solo e convidaria  todos para uma manhã de banho sob o sol. O meu rio poderia ser o que quiser. Um dia rio, no outro flor, depois um pássaro e, no fim de tudo, uma criatura livre e corajosa, que poderia percorrer a litosfera tendo as margens largas, tendo as cores mais vibrantes, flores do campo e voar, voar como o mais selvagem dos pássaros. Iria voar e chegar até a montanha que só via de baixo, com aquele reflexo distante e uma inveja de chegar naquele alto. E quando finalmente meu rio chegasse no alto, na montanha que sempre admirei, abriria meus braços e um vento forte percorreria meu corpo, com uma bela árvore atrás de mim; uma árvore que ajudei a criar, dando água para aquela montanha que diariamente presenteava a mesma com seu líquido. A árvore que é minha. É do meu rio. Minha pele sentiria o bondoso vento e meus cachos brincariam com sua força, volitando pelo ar, ouvindo seus susurros uivantes e saltitando com as folhas da minha flora. O meu rio seria forte. Ele iria morar junto às montanhas e toda sua vida, sonho e vontade teriam apenas um nome: liberdade.



Liberdade no caminhar

Liberdade no amar

Liberdade no aceitar
Livre, livre, livre, como o mais selvagem e magnífico mar.




Brasil: Futebol, Copa e Mendicidade.




Há uma quantidade significativa de brasileiros que definem a felicidade e realização social do país fundamentados em três prazeres: ganhar a Copa do Mundo, festejar tal conquista  comportando-se de forma alterada e excedente (auxiliada com uso de substâncias ativas, seja elas legais ou ilegais) e a inserção de muitos feriados pelo ano. Neste ano de 2010, por exemplo, o país encontra-se cheio de expectativas, de desejos e ânsia de ganhar. Ganhar o quê? A copa, é claro! Basta ligar o rádio, a TV, a internet, que tem sempre a mesma notícia dominando todas as mídias sociais e as indagações e preocupações de todos os brasileiros. Precisamos ganhar. Precisamos que todos aqueles atletas consigam chutar a bola direito, enfiar naquela redinha e fazer um gol. E pra que? Para sermos hexa, oras! Brasil, o melhor time de futebol do mundo! Quanto mérito...E para essa pseudo felicidade toda materializar-se jogadores recebem remunerações exorbitantes (e desnecessárias), como se tivessem colaborando para o desenvolvimento positivo e qualitativo do nosso país. Para essa festa toda ocorrer (para que no fim, resulte em brigas e mortes de torcedores doentes em suas manifestações), os jogadores recebem remunerações excedentes; um dinheiro desmerecido e desperdiçado. Desperdiçado, sim. Sustento o que digo, pois se cada cidadão ampliar sua visão para o Brasil como nação e não Brasil como diversão, iremos observar um país de mendicidade, em que a pobreza, analfabetismo, sistema se saúde precário e injustiças em diversos setores estão presentes em todas as áreas administrativas. Quantas pesquisas não há sem patrocínio para desenvolver novas medicações, deixando os laboratórios e cientistas somente com o sonho de melhorar a saúde pública? Quantas escolas sem livros e bibliotecas, impedindo educandos de toda parte sem estrutura para ampliarem seus conhecimentos? Quantos indivíduos sem tratamento eficaz contra a epidemia das drogas? Quantas pessoas desempregadas, sem atenção do Estado, vivendo na mendicidade e sem assistência de qualidade do sistema de saúde pública? Doentes em desequilíbrio mental rotulados de "loucos de rua", por não terem acesso a atendimento e tratamento psicológico? Quantos e quantas?  É esse Brasil que se faz necessário  observar e conhecer, sem ilusão, sem estereotipação, com a lucidez sólida de sermos seres racionais e cidadãos informados sobre a sociedade.



O esporte, de fato, é fundamental para o desenvolvimento físico e promoção de qualidade de vida de todos os indivíduos, sendo um eficaz  meio de transformação social e físico. Mas não há forma ou argumentação que seja sólida e inteligente a ponto de definir que um  país  possa ser superior só por ter bons atletas e por tal motivo encaminhar recursos financeiros altíssimos (mesmo que privados) para ganharmos um título. Um títlulo! Um título que não extinguirá a pobreza, a falta de estrutura educacional, a guerra pública declarada entre o marginalizado e a sociedade... Um título que, por nenhum momento, estimula o homem a formar sua intelectualidade. Que não engrandece o espírito do homem. Engrandecer é crescer, é formular leis compatíveis com a moralidade e igualdade social, é proporcionar ao homem meios para ele adquirir sabedoria e, conseqüentemente, respeitar o próximo. É, acima de tudo, ser consciente do certo e errado, não reformando uma cidade somente para mostrar para "estrangeiros" (como acontecerá  em locais no Brasil, em decorrência da copa), mas porque  é habitado por cidadãos necessitados de qualidade, melhoria. Alguns brasileiros acreditam que ser patriota é torcer na copa, é vestir o verde e amarelo. Títulos, cores, camisas não faz nenhum cidadão patriota. Gostar do seu país é respeitá-lo, é ver suas necessidades, contribuir para sua evolução; é ver e ouvir essa gente que é coisificada pelo seu meio, que vive nas ruelas, no desespero, que não tem dignidade humana e nem terá enquanto o povo brasileiro continuar a imputar suas energias sociais para uma luta irreal, que proporciona a felicidade de títulos e glórias, mas não aniquila a série de problemáticas surgidas pela negligência de tudo e todos que fazem parte deste país.





A Menina Jabuti.



Todos a achavam estranha. Ela não correspondia ao conceito humano criado para definir o que o coletivo desejava. E ela não gostava do aglomerado, do imenso coletivo da reunião do ser e do ter. A menina não queria ser gente, queria mesmo era ser jabuti. Desejava por todos os seus dias ter uma carapaça, enfiar-se nela e não digerir nenhum dilema imposto pelo inesperado mundo. Feliz mesmo, era ser jabuti. Quando vê o perigo, velozmente esconde-se no seu esconderijo, quando tem chuva guarda-se bem perto do ventre e, quando não há ninguém, ela tenta sair do seu casco bruto, sentindo calmamente os raios solares atravessando o céu azul e límpido da atmosfera. Mas a grande verdade é que a menina queria ser jabuti, porque não sabia voar. Ela não conseguia movimentar suas asas, por isso, sendo jabuti, encontraria o aconchego de uma carapaça para lhe esconder dos seus medos, do que a machucava, das palavras que a julgavam sem a conhecer. A menina era mesmo jabuti, não tinha forças para abandonar sua carapaça - a proteção que a guardava diante aquela estranha sensação da dor. A carapaça a abraçava quando ela medrosamente tentava conhecer o complexo universo do crescer e aprender, partindo do mais difícil dos saberes: o de conhecer a si mesma. Mas não tem jeito, não. A menina tentava sair, mas quando via o sol, buscava logo sua carapaça, vendo de longe apenas vestígios de uma bela luz amarela e alaranjada que aquecia seu corpo, mesmo estando tão distante. Ser jabuti era bom, quando tentam a ver, logo a carapaça lhe defende. Mas a menina queria mesmo era usar suas asas e aprender voar como Fenão Capelo Gaivota, a gaivota do amor. A menina queria mesmo era esticar-se no horizonte e descobrir todo o universo, abandonando sua carapaça e encontrar seu centro e equilíbrio. Porque encontrando seu centro, encontraria ela mesma e não precisaria mais de carapaças. Mas por enquanto a menina estava só, com sua carapaça protetora, e enormes sonhos no coração, que a convidava para usar suas asas e partir da solidão, viajando pelo incrível e necessário mundo que exige o crescer, o compreender, para no fim encontrar a estrada da verdadeira evolução. Mas a menina ainda era jabuti, "A Menina Jabuti", buscando somente um jeito de libertar suas asas e voar, voar, voar.


A Menina e a Estrada






Ela estava lá. Era o início da estrada e já tinha passado por ela, mas nunca sozinha. Mas, chegara a hora. Para todos chegam e a menina, que se sentia mais menina que mulher, sabia que tinha que dar os primeiros passos para conseguir ir adiante. Tinham muitos do seu lado, pois todos tem um caminho (embora cada caminho fosse diferente para cada um deles). A estrada era tão grande, infinita, com flores amarelas iluminando algumas pétalas rosas, com pedras formando círculos e árvores retorcidas, que se formaram desiguais, só para agradar os transeuntes. Tudo tão exageradamente lindo! tantos sonhos para realizar e desafios à espera de um desbravador. A menina se sentia uma guerreira, uma personagem cheia de força, luz e verdade que, como o alquimista, que chamava-se Santiago, percorreu o deserto, descobrindo seus sinais e realizando sua "Lenda Pessoal". A menina sentia mais que isso, ela lembrava-se da Liesel, "A Menina que Roubava Livros", e com os livros leu as páginas do mundo e deixou suas letras marcadas nos corações de seus companheiros. A menina também queria ter coragem, olhar o horizonte límpido e deixar o vento quente abraçar todo o seu corpo. Mas era o medo, aquele maldito medo! Ele a impedia de voar, de correr a longa estrada e descobrir o seu verdadeiro lugar. Quanto mais se demorava, via as pessoas passarem, isso não é bom, pensava ela, pois quanto mais nos demoramos para conhecer o nosso caminho, mais perdido ficamos olhando os caminhos dos outros,  sendo que o caminho alheio, jamais será como o educador caminho construído para nossa aprendizagem. A menina queria ir, só era um pequeno, tão pequeno passo. Por que não fazê-lo? Por que nutria tanta fraqueza? Depois de muito tempo, quando alcançou seus largos caminhos, obteve a angustiante resposta: só a estrada iria extrair suas fraquezas e educar o seu medo, não há outra forma. Então, envolvida por uma inédita coragem, a menina levantou-se da estrada, abriu seus braços e permitiu que suas pernas fizessem o início de uma grande jornada. Ao caminhar pelo imenso pedaço de terra, não se deu conta que o vento a abraçava com leveza, lhe dando boas-vindas e pedindo ajuda para as flores, que generosamente presenteou os pés da destemida com belas pétalas pelo chão e as árvores, radiantes com a mudança da pequena, pediu ao vento que embalace suas folhas, formando uma música suave, demostrando que a vida a acompanhava, bem de perto. A menina, então, compreendeu tudo, sorriu para a natureza e foi-se embora. A menina, já não era a mesma, mal recordava-se de outrora, seus cabelos voavam com o vento e seu coração batia leve e sereno; seus olhos já não olhavam para caminhos alheios. A menina, sem perceber, cresceu e sabia que na longa estrada encontraria o essencial, a verdade que seu espírito viera buscar. Como a menina estava feliz!




Devaneios de um Entardecer Frio






O entardecer é tão lindo, tão aconchegante e plenamente doce, como um abraço fraternal do mais amigo amor. Ele anuncia à noite, mas permanece no seu dia, dando calmamente adeus ao sol, deixando ele distanciar-se no horizonte para que possamos ver a magnífica lua. Uma simploriedade que segreda complexidades de pequenas horas que já não são quentes, mas também não frias; onde o vento não é veloz, acaricia os cabelos tranqüilamente e presenteia com um ar quente, pedindo uma boa prosa e a busca de qualquer coleguismo. Então, sentamos na rua, vemos a meninice correr com o ar e as árvores despedirem-se do sol, embalando-se com a chegada das estrelas. Sorrimos alegremente para os andantes, cumprimentamos os passageiros e indagamos como está a vida. Damos adeus a mais um dia (que foi produtivo, ou não), relaxamos como se fôssemos uma folha leve e rapidamente chegam as estrelas, pingos de luz no universo, símbolo dos poetas mais enamorados, a certeza que a criação foi arquitetada por uma força inteligente inimaginável a nossa estreita percepção. Astros de luz, que avisam que à noite começou, o dia acabou e só nos resta contemplar. Contemplar um céu iluminado, estrelado, escondendo o sol que passa a iluminar outra litosfera e o vento quente e constante; o momento mais coletivo do dia, mais sublime, o espetáculo que a rotação generosamente nos concede, não pedindo nada em troca, só querendo oferecer um palco para deleitar a racionalidade dos moradores terráqueos, exilados do infinito universo de luz e belezas e a incógnita de maiores mundos, que estando a ano-luz, não podemos alcançar e admirar, tentando meditar incansavelmente sobre o porquê das coisas, do mundo, acompanhados pela leve brisa intocável do ar. Um entardecer frio de belezas e venturas, pintando, perante os olhos dos homens, as intocáveis perfeições do universo de Deus.



Como diz Omar Khayyam:


 "O vasto mundo: um grão de areia no espaço. Toda a Ciência dos homens :palavras. Os povos, os animais e as flores dos sete climas: sombras. O resultado de tua perene meditação: nada".



O Porquê do Sofrimento.



É engraçado quando refletimos o porquê do sofrimento. Sempre ocorrem muitas perguntas, seguidas de poucas respostas. Há demasiado sofrimento físico, emocional, oriundos de sermos seres  humanos. Quantas doenças, quantas misérias! Reclamamos de uma dorzinha no corpo e nem pensamos que, nesse exato momento, alguém que não conhecemos está em um leito de hospital, sem atendimento, sem remédio, padecendo de uma enfermidade sem cura, aguardando a morte e os mistérios da vida. E, ao mesmo tempo, há indivíduos que sofrem de delírios emocionais, daqueles que nem reconhecem o seu próprio eu, de onde são e para onde vão. É, minha gente... sofrimento que dói o corpo, dói a alma e dói na gente que ama nosso irmão. É gente se intoxicando procurando a felicidade, é gente se alcoolizando para amenizar as dificuldades e é gente chorando, triste, querendo fugir de tanta maldade. E não pára por aí, não.Tem a fome e a maldade. Gente que não tem casa e não pode comprar a dignidade e gente que sofre com a violência, com a desigualdade e falta de educação moral. Será que há na Terra um pedacinho de terra que sempre foi feliz? Será que sou feliz no meu pedaço de terra, coberta por tijolos, onde o irmão "mau" não pode entrar? Que liberdade é essa?



E o homem sofrido e maltratado procura Deus e um culpado por seu perecimento. Buscam caminhos religiosos, racionalidades ingênuas, culpam a política cruel e o egoísmo de seus iguais. Tudo isso certamente tem sua parcela, mas o fato é que todos nós sofremos por um determinado motivo. Nada é em vão. Que mundo de expiação, não? É doença física, é doença emocional, são castigos desumanos e angústias por todo esse mundo. E por quê? Eu não sei porque os homens sofrem, mas sei que no fim, sempre há uma explicação. Ninguém cresce sem dor, nem o corpo, tampouco a alma. E se essa essência inteligente e mutante que é a alma, precisa evoluir, que possamos nos amparar na dor e dela extrair o amor. Amor que transforma e educa; que elucida e transforma o homem, a sociedade e a alma caminhante que necessita de melhora para encontrar o verdadeiro caminho do amor.


Quando a Escola Contribui Para Marginalização.


A escola, desde a Idade Média tem se tornado o próprio símbolo da educação e, por isso, é  fundamental a discussão da estrutura desta instituição, pois é para mesma que milhares de brasileiros diariamente se locomovem de suas casas para cumprir a bonita e necessária tarefa de aprender. É nessa instituição que se constrói todo o processo de educador e educando, a falada troca de valores. Basta analisar a estrutura física e pedagógica de uma escola, que não se torna complexo compreender quais as deficiências existentes nos professores e educandos pertecentes a mesma. Uma instituição que não recebe recursos suficientes para a realização de um bom trabalho, certamente não terá ferramentas para cotidianamente fazer com que milhares de crianças e adolescentes alcancem o estágio adequado do bom estudante, profissional e cidadão. Por sua vez, uma escola em que os educadores não se esforcem em palestrar e educar de forma prática, inteligente e dinâmica, não consegue auxiliar seu educando (mesmo quando na unidade há estrutura material). Não é um esforço lateral que vai fazer com que a educação melhore, mas um trabalho global, trazendo para a escola uma realidade física primordial, professores formados e competentes para função de seu ofício e uma comunidade equilibrada para que a escola possa "cimentar" o terreno que só o lar de um indivíduo fornece para seu desenvolvimento. Falo aqui, de educação moral. Sim, educação moral. Bons cidadãos não são formados completamente por professores, mas principalmente pelo pai e pela mãe; por uma família que influencie desde cedo seu filho para o respeito, educação, honestidade e ética social. Não haverá professor capaz de auxiliar um educando que traga nas suas origens emocionais o efeito e aprendizagem contrárias ao respeito mútuo. E, por isso, vemos diariamente educadores sucumbirem-se na depressão e falta de estímulo por não terem sido preparados para enfrentar o educando difícil, rebelde. Mas quem disse que devem enfrentá-los? Como delegar uma tarefa unicamente de pai e mãe para biólogos, pedagogos, matemáticos, linguista...?



O professor de hoje, não se restringe mais em aprender a estrutura celular, o descobrimento do Brasil ou uma equação matemática. Infelizmente, o professor de hoje, antes de se ambientar no seu habitat natural: a escola, tem que controlar suas emoções, compreender a violência, enxergar sem pudores a bruta realidade do jovem que descobriu a droga, a violência doméstica e a desigualdade social muito cedo. E para o verdadeiro educador, que se preocupa com cada educando de acordo com as suas dificuldades, é absolutamente triste ver um mero empregado - que rotineiramente finge educar e guiar um educando (somente porque trás uma titulação de licenciado) agir indiscriminadamente, sem críticas, sem correções. Falo do educador que grita, que impõe o medo como forma de disciplina e coloca em último plano a principal tarefa: ensinar. Que faz seus alunos de máquinas datilográficas cuja única função é ocupá-los na escrita. Ocupação que os deixam cansados e preguiçosos e sem entender como aquela escola e professor possam ser legais ou importantes, como dito continuamente em casa. Falo aqui, também, de inúmeros pedagogos, que permitem que seus alunos deixem o Ensino Fundamental antes de aprender a ler, escrever ou entender seu ambiente, permitindo que (alguns) professores os chamem de ociosos, débeis ou desocupados. Que chamam seus educandos de problemáticos ou difíceis só por não entenderem aquele monte de letras (que até ontem, nem faziam parte da sua pequena realidade). Professores que conseguem, por mais extraordinário que seja, empobrecer ainda mais a educação brasileira, somando a falta de livros, recursos, laboratórios, a seus métodos desumanos e ineficazes; que duelam com sua sala, como velhos gladiadores em busca da sobrevivência, tratando crianças como meio de se alimentarem durante o mês. E a pobre criança, assustada e denegrida nos direitos mais básicos de um ser humano (que é aprender) acredita que o único fator positivo da escola, é o lanche, que não tem em casa, aquele que tira a dor da barriga e trás o sorriso de volta. E que a tal da professora, diretora, coordenadora e a tia do lanche só são mulheres chatas, que não gostam deles, sabe se lá por quê.



E depois de todas as oportunidades que primeiramente o lar e uma escola possuem para melhorar o cidadão em formação, o que vai respeitar o meio ambiente, respeitará a religião do próximo e contribuirá de todas as formas para o progresso de um nação, ou melhor, de todo o planeta Terra, depois de tantos dias e anos perdidos, surge o marginalizado, o maltratado e principal causador de desordens sociais. Consequentemente surge a violência, a droga se torna para eles uma narrativa mais interessante que os velhos sítios de Monteiro Lobato e as diversas ciências, que são investigadas por tantos licenciados nesse mundo, se transformam em incógnitas nas jovens cabeças que viram na escola a última opção de prazer e progresso. Triste fim este, não é? Saber que a educação está sendo preparada e direcionada por (alguns) profissionais leigos, descompromissados e despreparados para tarefa que ardentemente adotaram como ofício na vida. E mais triste ainda, é saber que a escola, que tem a fundamental importância de colaborar para o crescimento e emancipação do menino para o homem, seja (muitas vezes) uma instituição que exclua os alunos, aqueles chamados de futuro de uma nação, do futuro do Brasil. Eis, então, que surge um quadro lamentável, o da educação e educador afastando o educando de toda aprendizagem; marginalizando o educando da escola e da sociedade; um quadro comum que observamos principalmente nas instituições públicas; resultado de pouco investimento, fiscalização e valorização pela classe que forma o mundo e a mente intelectual: os educadores.





Oprimidos.



Nós somos o que não conhecemos ou o que querem que somos. Vivemos assim, dessa maneira dirigida e obrigada por outros. Hilariante é saber que não só os "inferiores" obedecem ao sistema, mas também os opressores, que mal sabem que seguem seus passos orientados pelo que, desde tempos remotos, lhe impõem a fazer. Quem é livre? O que é realmente livre? resposta que nem o opressor nem o oprimido sabem responder. Foram paridos em tal posição e medrosamente se atrevem a indagar os porquês do mundo. E assim, passamos os dias, noites e os anos, tristemente vividos ou inaceitáveis para a massa depreciada; os tais dos bárbaros, gente sem noção e sem razão, que nasce com o destino escrito para a desgraça sem saber o porquê. O homem é um animal que pensa e que interpreta seu mundo, que o humaniza, mas não é humanizado; homens de raças e graças, que constrói, a partir do seu pensamento, uma urbanização chamada cultura. Esse homem  desiste de brigar,  aceita ser ignorante e mandado, vestir o que lhe é enviado e busca a vida alheia, mas esquece (ou não sabe) que cada um tem seu caminho e que o caminho alheio, não é o melhor para si, pois cada um tem as experiências que necessita para a medida da sua própria evolução. Basta esse homem pensar, que logo por uma lógica racional, percebe que o mundo não é minoria, é feito para todos os seres e que ser oprimido não foi decisão de Deus, deuses ou o Diabo. Foi decisão do sectário, do homem que vive na intransigência, na hostilidade e egoísmo. Não é o oprimido que realiza a violência, é o opressor, que com medo de ter menos para si, dita como quer que o outro viva e retira dele tudo o que beneficia a si, mas o oprimido sempre se rebela, afinal, que bom que perceber o mundo é princípio da racionalidade.


Crianças: a Certeza do Amanhã.



Todos os dias deveriam ser das crianças e não apenas um específico, em que é oferecido a elas brinquedos e divertimentos. Todos os dias deveríamos pensar nelas e nos inúmeros conflitos que as pequenas cabecinhas já enfrentam por estarem neste mundo. O décimo segundo dia de outubro é memorável e, certamente, deve existir, mas nos demais dias do ano, que não são poucos, poderiam ser mais reflexivos sobre as necessidades que esse grupo social necessita. Como, por exemplo, os milhares de meninos e meninas que estão nas ruas, na orfandade, sem cuidados e sem nenhuma perspectiva de educação e dignidade humana. Crianças que não tem a mínima noção do que é ter um pai, uma mãe, uma madrinha amorosa e uma estrutura familiar. Crianças que se transformam em anomalias sociais quando, depois de crescidas, se voltam contra a sociedade que não as educou, imbuídas de violência, substâncias tóxicas e nehum código de moral aprendido. Mas, como ter algo que não foi dado? Uma família, que comprovadamente é base da formação social, responsável por instruir e guiar os indivíduos, quando se ausentam desta eminente tarefa, deixando-os na rua ou ingnorando-os na sua própria casa, formam um cidadão incoerente, um ser humano desequilibrado e vil, que não se importa em desrespeitar o seu próximo. Toda criança tem suas necessidades. Necessidades materiais, essenciais para o decorrer da vida e necessidades morais imprenscindíveis para formação do caráter. E é está última que capacita a criatura a derrubar os seus medos, corrigir seus defeitos e encaminhar-se para  plenitude e moralidade. As crianças são sabidamente o futuro, o progresso, e cuidando para que estas pequenas (em estado de germinação moral) sejam orientadas e esclarecidas, com certeza todos os conflitos humanos, sociais e espirituais vão se aniquilar rapidamente, pois não haverá desordens onde reine o respeito; não existirá violência entre os que repudiem o maltrato, não existirá desigualdades entre os que aprenderam a compartilhar e não ocorrerá a destruição, caso os indivíduos aprendam a respeitar. Cuidar desses pequenos cidadãos, é amar o futuro, trabalhar para desenvolvimento da bondade e respeito ao nosso habitat, que será modificado com benevolência ou com desequilíbrios malignos, dependendo da educação e preparação que estabelecermos às crianças. Parafraseando Pitágoras, "Educando as crianças, não será necessário punir os adultos", pois não será repreendido o homem que aprendeu na infância a amar e respeitar a todos e ao mundo; a construir essa realidade ainda distante em que prevalecerá a fraternidade entre todos os homens e seres da Terra. Educar é amar e respeitar a  tudo e a todos, pois somente com a educação (moral e intelectual) garantiremos a preservação do homem, dos seres e do próprio mundo.




As Escaladas da Vida



Eu imagino que a verdadeira felicidade é a paz de espírito. Então, a sensação do eterno prazer e calmaria deveria se chamar paz e não felicidade. Sem paz, não há felicidade e a paz é consequência da mais pura conquista da sabedoria. Encontrar essa tal de felicidade,  é difícil, pois desde que o homem conquistou seu grau de racionalidade, busca incansavelmente o prazer absoluto e pleno, não dominando completamente o que define como realização. Desde a mais tenra infância a criatura espera seu gozo. Num carinho de mãe, no alimento para o organismo ou no descanso acolhedor ao pernoitar. Depois vem um longo caminho, em que se espera o apaziguamento, a bem-aventurança, o sim da vida em cada desejo, seja ele vil ou nobre. Espera, sim, somente se espera que tudo seja eternamente benevolente, que os conflitos não existam e que o passado não atormente a mente que não sabe porque pensa. Mas no capricho mimado e sutil de cada vivência, a dor chega logo para matéria de ensino e cada um se depara proporcionalmente com as necessidades que carrega nas suas andanças, para fins de aprendizado. Então, se descobre que os dias são escaladas para que se alcançe o amor e que as dores, sejam elas morais, físicas ou espirituais são mapas, que direcionam a alma para o além, para uma localização que a criatura ainda ignorante nem sabe identificar. Descobre que a tristeza é uma redação, o exercício diário da reflexão essencial para subtrair os demônios que persistem em habitar em todos os seres (Ilusões criadas pelo homem para exteriorizar uma explicação não compreendida pelas mentes vacilantes desse mundo). Entende-se, sobretudo, que sempre haverá uma nova escalada e uma nova tarefa a ser solucionada. E como aprenderia o homem, se assim não fosse? Entende que não importa qual o tamanho ou razão de uma circunstância, pois o relevante é como reage diante da mesma. E, depois de compreender muitas ciências, caminhar por inúmeras estradas, logo a paz começa a se demonstrar, como luz penetrante que guia e encaminha aquele racional já mais sabido no mundo. Por fim, a criatura entende que o amor só é real, com a virtude da paz: que ama sem egoísmo. A amizade só se torna soberanamente uma virtude quando auxilia e suporta o companheiro infeliz e aquele prazer irreal, tão procurado no decorrer das existências, só se materializa com a paz do amor, a amizade compreensiva e a sabedoria (aquela que só se encontra nas variadas dores e angústias). Escaladas que desbravam o essencial que não vemos, mas que sabemos de maneira inata, que precisamos encontrar para  vencer e aprender a voar.



Ô Interior Sem Medida, Sô.



A vida nas cidades interioranas é engraçada. A rua sempre é estreita e lerda e os passos que acompanham os bloquinhos antigos, são brincalhões e param para olhar. Olhar uma primavera ou cumprimentar Dona América ou, então, para examinar coisas antigas. É uma vida sem novidades, que implora por tagarelices e cantigas, fazendo todos, na falta de uma boa história, criarem um excitante "causo". "Causo" aumentado, mas comumente, "causo" inventado, tirado dos sonhos, das glórias e vivências dos antigos. E, de uma narração aparentemente simplória, nasce animais horrendos, vilões maldosos, santas milagrosas, ervas poderosas e santificações dos que foram além. Contos que extraem risos, emoções saltitantes e a vontade de habitar num mundo distante, mas só por meros minutos, porque a rua chama para noite. Grita para brincar, para ver o luar e abraçar bons amigos que sempre estiveram lá. E no dia seguinte, o silêncio é maior, Dona América já não está mais lá. Muitos se partem e fico aqui, só, a pensar. Penso nessa vida engraçada, nesse povo camarada e nessas árvores que criaram minha infância. Nas páginas já preenchidas desse interior molenga e sabidão. Na fé e nas igrejas construídas por mãos de homens bons, de imensa conexão com o alto e as crendices deixadas pelos povos antigos, que iniciaram o saber, o que é realmente bom. E basta só chegar o fim do dia e os bons ventos trazem a confirmação, de que as ruas continuarão as mesmas, as pessoas com suas falas e a igrejinha se abrirá para receber as orações. Preces de gente interiorana, que adquire genuninamente por este nome o contato com seu próprio interior, procurando viver do amor e tecer amizades eternas. É uma vida engraçada mesmo, sabe? Não tem ritmo e, às vezes, nem cor. O movimento é parado, as frutas apodrecem no chão, mas a gente não muda, não. Na tristeza, na dor, no riso e no bom "causo", tudo só é engraçado, só uma cidadela perdida no meio do nada. Ô vidinha engraçada essa, sempre risonha, sempre pacata... guardando seus anos de história e escrevendo novos "causos" para que, numa noite quente e recolhida, sem acontecimento algum, narrar contos de chegadas e partidas para ouvintes sedentos de mundos paralelos e de diálogos com a imaginação. Sedentos de viver suas vidas além das fronteiras da razão. Ô interior bom.